terça-feira, 21 de novembro de 2023

A caracterização da Esofagite Eosinofílica em lactentes e pré-escolares

 

Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

A renomada revista JPGN publicou o artigo intitulado Characterization of Eosinophilic Esophagitis in Infants and Toddlers”, de Suzanna Hirsch e cols, em julho de 2023, que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos.

 

INTRODUÇÃO

A Esofagite Eosinofílica (EEo) trata-se de uma enfermidade crônica imune-mediada caracterizada por eosinofilia esofágica e sintomas de disfunção esofágica. As manifestações clínicas da EEo são bastante variadas e são diferentes entre as crianças maiores e os adultos. As clássicas apresentações da EEo nos adultos e nas crianças maiores incluem disfagia ou impactação alimentar, enquanto nas crianças de menor idade podem se apresentar com dor abdominal, vômitos ou dificuldades na alimentação. Além disso, os pacientes menores podem apresentar sintomas extra intestinais, tais como: tosse, sibilos, ou ronquidão, embora a relação causal entre EEo e doença respiratória permaneça incerta. Há uma crescente produção de pesquisas relacionadas à EEo nas crianças, entretanto os estudos existentes incluem poucos lactentes e pré-escolares com idades menores de 2 anos, e poucos estudos têm investigado especificamente as manifestações clínicas e o tratamento da EEo neste grupo pediátrico.

Os objetivos do presente estudo foram os seguintes, a saber:

1)   Caracterizar as apresentações gastrointestinais e respiratórias da EEo nas crianças menores de 2 anos de idade e,

2)   Avaliar a resposta clínica e histológica no tratamento dessas crianças.

 

MÉTODOS

Foi realizada uma análise retrospectiva nas crianças menores de 2 anos de idade diagnosticadas como portadoras de EEo. A EEo foi definida pela presença de ≥ 15 eosinófilos por campo de grande aumento em pelo menos 1 biópsia esofágica. Os dados dos pacientes foram revisados levando-se em consideração os seguintes dados: idade, sexo, sintomas presentes, comorbidades, emprego passado e presente de supressão ácida, histórico dietético e restrições, e estudo vídeo fluoroscópico para a deglutição e avaliação de aspiração. Os achados endoscópicos mais salientes tais como: edema, exsudatos, sulcos, anéis, estenose e erosões ou úlceras foram pesquisados. Os achados histológicos foram analisados incluindo a contagem de eosinófilos em todos os níveis esofágicos.

DESFECHOS

Os arquivos dos pacientes foram revisados levando-se em consideração as endoscopias de seguimento, os resultados foram anotados e os pacientes foram classificados como segue:

1)   Remição da EEo, contagem de eosinófilos <15 ou

2)   Persistência da EEo, pico >15.

Os tratamentos da EEo em cada momento das endoscopias foram anotados e estes incluíam o uso de inibidor de bomba de próton (IBP), esteroides ingeridos e restrições dietéticas. A maioria dos pacientes recebeu uma combinação de tratamentos.

Considerando-se os tratamentos recebidos, no momento de cada endoscopia, os pacientes foram considerados como Respondedores ou Não Respondedores a cada combinação dos tratamentos. Respondedores (definido como pico de eosinófilos <15) foram os pacientes que alcançaram remição histológica e Não Respondedores (definido como pico de eosinófilos >15) foram os pacientes que mantiveram mais de 15 eosinófilos por campo de grande aumento.

RESULTADOS

Características dos pacientes

Foram identificadas 42 crianças menores de 2 anos de idade no momento do diagnóstico da EEo, cujas características clínicas estão demonstradas na Tabela 1.

  Tabela 1- Características demográficas dos pacientes ao ingressar no estudo

A idade média dos pacientes foi de 1,3±0,4 anos, e o mais jovem tinha 5 meses. O sintoma mais frequentemente apresentado foi dificuldade na alimentação (67%), a qual foi caracterizada por engasgo ou tosse durante a alimentação (60%) ou dificuldade na progressão dos alimentos sólidos (43%). Nenhum paciente apresentou relato de impactação alimentar.

Índice Endoscópico  

O índice endoscópico mostrou-se anormal em 30 pacientes (71%) e normal em 12 pacientes (29%). As anormalidades incluíram edema da mucosa (20/42 – 48%), sulcos (20/42 – 48%), exsudatos (17/42 – 41%) e erosões (1/42 – 1%). Não foram identificados anéis ou estenoses. Do ponto de vista histológico o pico médio de eosinófilos foi de 50pcga com a variação de 30 a 100pcga (Figura 1).

Figura 1- Alterações nas contagens dos eosinófilos no momento inicial e na primeira biópsia de seguimento.

Resposta Sintomática

Todos os pacientes apresentaram melhoria clínica em pelo menos 1 sintoma no primeiro seguimento. Houve uma significante redução de todos os sintomas durante o seguimento em comparação com os dados iniciais (Figura 2).

Figura 2- Porcentagem de pacientes com sintomas pré e pós-tratamento.

Seguimento longitudinal 

O número de respondedores e não respondedores para cada tratamento ou combinação de tratamentos e endoscopias de seguimento estão demonstrados na Figura 3.

Figura 3- Proporção de pacientes que alcançou remissão histológica após o tratamento.

 

Houve um significativo efeito positivo no tipo de tratamento em relação à resposta histológica e as melhores respostas observadas foram as combinações dieta/esteroides ou dieta/inibidor de bomba de próton e a pior resposta observada foi o uso isolado com inibidor de bomba de próton.

CONCLUSÕES  

Em resumo, este estudo demonstra que lactentes e pré-escolares portadores de EEo são mais frequentemente do sexo masculino, com forte história pessoal e familiar de atopia, e frequentemente apresentam dificuldades alimentares, vômitos ou sintomas respiratórios. EEo neste grupo etário pode mimetizar outros diagnósticos gastrointestinais frequentes, tais como refluxo, alergia à proteína do leite ou aspiração. Enquanto a maioria dos pacientes demonstrou melhoria clínica com os tratamentos padrões, utilizando-se uma combinação de dieta/esteroide ou dieta/IBP, sendo estes os mais efetivos, a lesão endoscópica é considerável e as respostas histológicas não podem ser mantidas a longo prazo. Futuras pesquisas prospectivas serão de grande utilidade para avaliar os desfechos terapêuticos e o curso da enfermidade neste grupo etário de crianças mais jovens.

MEUS COMENTÁRIOS

Este é um dos primeiros estudos que definem os aspectos clínicos e endoscópicos da EEo em lactentes e pré-escolares, e, ao mesmo tempo, avalia a resposta ao tratamento neste grupo etário de pacientes. Considerando que os sintomas são inespecíficos neste grupo etário, é importante compreender suas mais frequentes manifestações clínicas, e manter um alto índice de suspeição para a EEo quando estes sintomas estão presentes. Diferentemente dos pacientes maiores, nos quais as apresentações clássicas incluem disfagia e impactação dos alimentos, os mais frequentes sintomas nestes pacientes mais jovens são dificuldades na alimentação, vômitos, tosse e sibilos. Vale ressaltar que estes pacientes geralmente não têm agravo do seu estado nutricional, na grande maioria dos casos.

Outro aspecto que chamou a atenção neste estudo é que a avaliação endoscópica se revelou aparentemente normal em 29% dos pacientes, o que salienta a necessidade de incluir na rotina a análise histológica.

Os tratamentos dietéticos costumam variar intensamente, tanto quanto as alterações das fórmulas e quanto as restrições de alimentos sólidos. No presente estudo 40% dos pacientes foram tratados apenas com restrição dietética, enquanto 71% deles que foi tratado com uma combinação de restrição dietética e IBP ou esteroides apresentou remissão histológica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1)   Suzanna Hirsch e cols. JPGN 2023; 77:86-92.

2)   Lyles JL e cols. J Allergy Clin Immunol 2021;147:244-54.

3)   KeLes MN e cols. Dysphagia 2023;38:474-82.

4)   Witmer CP e cols. JPGN 2018;67:610-5.

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