Prof.
Dr. Ulysses Fagundes Neto
A
renomada revista Gastroenterology publicou o artigo intitulado “Mucosal
Serotonin Reuptake Transporter Expression in Irritable Bowel Syndrome is
Modulated by Gut Microbiota via Mast Cell-Prostaglandin E2”, de Jun Gao e cols,
em junho de 2022, que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos.
INTRODUÇÃO
A
serotonina (5-HT) é uma molécula chave parácrina e neurócrina presente no trato
digestivo, no qual desempenha papel essencial na regulação da motilidade,
secreção, vasodilatação, nocicepção e inflamação. O aumento dos níveis
plasmáticos pós prandiais da 5-HT nos pacientes com Síndrome do Intestino
Irritável (SII) com predominância de diarreia (SII-D), e com alívio
significativo dos sintomas sob tratamento com antagonistas do receptor 5-HT
sugere que a atividade diminuída da regulação da 5-HT pode contribuir para a
fisiopatologia da SII-D. A maior quantidade intestinal da 5-HT é sintetizada
pelas células enterocromafins por meio da enzima triptofano hidrolase1 e
liberada como resposta a estímulos mecânicos e químicos no lúmen intestinal. O
esgotamento da produção da 5-HT repousa quase que exclusivamente no transporte
intracelular pelo transportador seletivo de recaptação da serotonina (TRS) o qual
se expressa em todas as células epiteliais intestinais. A principal enzima
responsável pela degradação da 5-HT nos tecidos colônicos é a monoaminaoxidase
A, que é codificada pelo gene MAOA. A diminuição da expressão do TRS no trato
digestivo de pacientes com SII pode contribuir para o aumento do nível de 5-HT
no cólon dos pacientes com SII-D. Além disso, camundongos desprovidos desse
transportador apresentam diarreia aquosa com aumento da motilidade colônica e
hipersensibilidade visceral. Todas essas observações dão suporte à tese de que
a captação diminuída de 5-HT pelas células epiteliais, e que, portanto,
resultam em um aumento da 5-HT no cólon, podem desempenhar um papel importante
na fisiopatogenia da SII-D.
Os Mastócitos
são ativados por estímulos externos e liberam efetores que podem causar
sintomas da SII-D. Medicamentos que possuem propriedades estabilizadores sobre os
mastócitos, ao que tudo indica causam alívio da dor e da diarreia na SII-D. Nós
demonstramos que a administração intracolônica de sobrenadantes da mucosa
colônica de pacientes com SII-D induz hipersensibilidade visceral em ratos por
meio da síntese aumentada e respectiva liberação da Prostaglandina E2 (PGE2)
desde os mastócitos, os quais por sua vez ativam os neurônios dos gânglios
dorsais. No presente trabalho foi investigado se o TRS é modulado pela
microbiota intestinal via mastócitos-PGE2.
MÉTODOS
Pacientes
Foram
recrutados 14 pacientes portadores de SII-D e 14 indivíduos sadios que serviram
como controle. Foram realizadas infusões intracolônicas em camundongos com o
sobrenadante fecal dos indivíduos com SII-D e com os controles sadios. O papel
dos mastócitos foi estudado em camundongos com deficiência de mastócitos.
Organoides colônicos ou mastócitos foram utilizados para experimentos in
vitro, a expressão do TRS foi mensurada pela reação quantitativa da
polimerase em cadeia. Respostas visceromotoras devido à distensão coloretal e
trânsito colônicos foram avaliadas.
RESULTADOS
A
infusão intracolônica do sobrenadante fecal dos indivíduos com SII-D nos
camundongos causou aumento da 5-HT na mucosa, em comparação com aquela
observada nos controles sadios, acompanhada por uma redução de 50% na expressão
do TRS. O tratamento in vitro com lipopólissacarídeo (LPS) provocou
aumento da enzima oxigenase-2 e liberação de PGE-2 nos mastócitos dos
camundongos. A infusão intracolônica do sobrenadante fecal dos pacientes com SII-D
nos camundongos reduziu o tempo de trânsito colônico, aumentou o conteúdo fecal
de água e aumentou a resposta visceromotora à distensão colorretal.
CONCLUSÃO
O
TRS está presente nas células epiteliais do intestino e diminui a ação da 5-HT
no trato digestivo. Inúmeras investigações têm associado níveis diminuídos do
TRS intestinal com aumento do teor de 5-HT e exacerbação dos sintomas nos
pacientes com SII-D. Uma diminuição significativa da expressão do TRS tem sido
descrita em espécimes de biópsia colônica nos pacientes com SII-D. O presente
estudo demonstrou que o lipopólissacarídeo fecal agindo em concomitância com a
tripsina nos pacientes com SII-D, estimulou os mastócitos da mucosa intestinal
na liberação da PEG-2, a qual provoca uma diminuição do TRS na mucosa colônica,
que por sua vez, resulta no aumento da 5-HT. O presente trabalho apresenta
algumas observações interessantes, a saber:
1)
Fornece evidencia de que lipopólissacarídeo
fecal atuando em conjunto com a tripsina nos pacientes com SII-D, estimula os
mastócitos da mucosa para a liberação de PEG-2, a qual acarreta um decréscimo
da produção do TRS, e que resulta, portanto, no aumento da concentração do 5-HT
na mucosa. Esse fenômeno pode contribuir para a ocorrência de diarreia e dor
abdominal, as quais são frequentes nos pacientes com SII-D;
2)
As infusões intracolônicas nos camundongos
com os sobrenadantes dos espécimes de biópsias dos pacientes com SII-D provocou
um considerável aumento das respostas viscero motoras devido à distensão
colorretal, a qual mostrou-se associada com aumento significativo da PEG-2,
histamina e triptcase na mucosa colônica.
Finalmente,
os autores propõem o seguinte modelo de trabalho para explicar o mecanismo
responsável pela diminuição da expressão da TRS na mucosa nos indivíduos com SII-D.
O material fecal no colón dos pacientes com SII-D contém quantidades aumentadas
do lipopolissacarideo e outras substâncias bioativas, como por exemplo,
tripsina. No interior da lâmina própria, o lipopolissacarídeo age em combinação
com a tripsina, que por sua vez aumenta a síntese de PEG-2, a qual é liberada
pelos mastócitos ativados. A PEG-2 age sobre os receptores das células
epiteliais provocando uma diminuição da expressão do TRS, e, consequentemente
acarretando um aumento da disponibilidade da 5-HT na mucosa. Esse aumento da
5-HT na mucosa deflagra um aumento da motilidade, secreção intestinal e hipersensibilidade
visceral nos pacientes com SII-D (Figura1).
Abaixo
segue o esquema fisiopatológico da gênese da SII-D:
Referências
Bibliográficas
1- Jun Gao e cols. – Gastroenterology 2022;162:1962-74
2- Qiqi Z e cols. – Gastroenterology 2022;162:1833-34
3- Wang F e cols. – J Physiol 2017;595:79-91
4- Cao YN e cols. – World J Gastroenterol 2018;24:338-350