Prof.
Dr. Ulysses Fagundes Neto
A
renomada revista Gastroenterology publicou um artigo sobre normas
de conduta na Síndrome do Intestino Irritável com Diarreia, em julho de
2022, intitulado “AGA Clinical Pratice Guideline on the Pharmacological
Management of Irritable Bowel Syndrome with Diarrhea”, de Lembo A. e cols, que abaixo passo a resumir em
seus principais aspectos.
Introdução
A
Síndrome do Intestino Irritável (SII) trata-se de um frequente transtorno da
interação trato digestivo-cérebro, com uma prevalência global entre os
indivíduos adultos variando de 4,1% a 10,1%. A SII afeta os indivíduos
independentemente da raça ou sexo, mas, é mais comum nas mulheres e indivíduos
mais jovens. Embora não seja um transtorno que apresente risco de vida, ela
está associada com prejuízos significativos à qualidade de vida, além de também
causar elevadas taxas de problemas psicológicos e altos custos econômicos.
A
SII-D é um dos principais subtipos de SII, estimada entre 30 e 40% dos casos. O
diagnóstico de confirmação da SII-D pode ser estabelecido levando-se em
consideração a história clínica e o exame físico do paciente, de acordo com os
Critérios de Roma IV. A presença de sintomas de alarme, tais como, início das
manifestações após os 50 anos de idade, sangramento retal não atribuível a hemorroidas
ou fissura anal, perda de peso não intencional, anemia ferropriva, diarreia
noturna e história familiar de câncer colón, Doença Inflamatória Intestinal ou
Doença Celíaca, requer investigações mais especificas para cada paciente.
Objetivos
Desde
a primeira revisão técnica publicada pela AGA a respeito da SII-D, em 2014,
novos tratamentos farmacológicos tornaram-se disponíveis e novas evidências têm
sido acumuladas a respeito dos tratamentos estabelecidos. O propósito da
presente norma de conduta é proporcionar recomendações baseadas em evidências
no manejo farmacológico dos pacientes com SII-D, com base em uma síntese
sistemática e abrangente da literatura. Além disso, foram também incluídas as
recomendações para as seguintes 3 classes de agentes farmacoterapêuticos para
SII-D, a saber: antidepressivos tricíclicos, inibidores seletivos da recaptação
da serotonina e antiespasmódicos.
Recomendações
Um
sumário de todas as recomendações, está disponível na Tabela 1. As descrições
dos estudos incluídos estão fornecidas nas Tabelas 4 e 5, e, uma visão geral
dos efeitos relativos e absolutos para os desfechos clínicos, está disponível
na Tabela 6.
1-
ELUXADOLINE
Trata-se de um opioide minimamente
absorvível aprovado pelo FDA na dose 100mg 2x/dia, pode ter a dose reduzida a
75mg por dia, naqueles pacientes que são incapazes de tolerar a dose maior. Esta
droga é contraindicada nos pacientes que foram submetidos a extração da
vesícula biliar ou naqueles que têm o hábito de beber mais do que 3 doses de
bebidas alcoólicas por dia.
Efeitos Adversos mais comuns são:
constipação (8%), náusea (7%) e dor abdominal (7%). Vale ressaltar que este
medicamento apresentou melhor eficácia nos pacientes que apresentaram predominância
de diarreia intensa, do que naqueles que apresentaram predominantemente dor
abdominal severa.
2-
RIFAXIMIN
Trata-se
de um antibiótico administrado por via oral, não absorvível e de amplo espectro
com atividade contra bactérias aeróbicas e
anaeróbicas Gram positivas e Gram negativas. Esta droga foi aprovada
pelo FDA na dose de 550mg, 3x/dia, durante 14 dias. Os pacientes que
apresentarem recidivas dos sintomas, podem ser novamente tratados com esse
medicamento, com a mesma dosagem. Uma grande proporção de pacientes com SII-D
alcançaram níveis adequados de alívio da dor abdominal, em comparação com
aqueles que receberam placebo (56.6% versus 42,2%) e, também, melhor nível de
qualidade de vida (38,7% versus 29,7).
Os
efeitos adversos mais frequentes foram náusea, infecção das vias áreas
superiores, infecção do trato urinário e nasofaringite.
3-
ALOSETRON
É um
antagonista seletivo do 5-HT3 cujo mecanismo de ação tudo indica ser
mediado central e perifericamente. A dose inicial recomendada é de 0,5mg
2x/dia, porém, caso ocorra constipação a dose pode ser diminuída para 0,5mg
1x/dia.
Os
efeitos adversos mais frequentes são constipação e colite isquêmica. Obs.: Uso
restrito para mulheres com quadro severo de SII-D.
4-
LOPERAMIDE
É um opioide sintético periférico que
inibe o peristaltismo e a atividade antissecretória, prolonga o tempo de trânsito
intestinal, com penetração limitada na barreira hematoencefálica. Esse
medicamento foi aprovado pelo FDA para o tratamento de pacientes com diarreia
aguda, crônica e do viajante. A dose inicial recomendada é de 2mg 2x/dia,
porém, pode chegar até a dose máxima de 4mg 2x/dia.
5-
Antidepressivos tricíclicos -
Amitriptilina
Tem sido utilizada para tratar os
sintomas de SII-D, devido suas ações periféricas e centrais (isto é,
supraespinhal e espinal), as quais podem afetar a motilidade, a secreção e o
sensorial. Considerando a definição dos Critérios de Roma IV sobre os transtornos
da interação do trato digestivo-cérebro, tendo como base que os antidepressivos
tricíclicos apresentam efeitos fisiológicos independentes dos efeitos sobre o
humor, esses agentes foram novamente rotulados como neuro moduladores do trato
digestivo-cérebro. A dose destes medicamentos pode variar de 10mg a até 150mg
por dia, porém, a maioria dos estudos tem utilizado a dose de 50mg/dia. Esses
medicamentos mostraram-se associados com importante resposta de adequado alívio
do humor e da dor abdominal.
Os efeitos adversos podem causar boca
seca, sedação e constipação.
6-
Inibidores da recaptação seletiva da
serotonina - Fluoxetina, Paroxetina e Citalopram
Esses medicamentos estão aprovados para
o tratamento de transtornos do humor
tais como, ansiedade e depressão, mas também são usados para o tratamento de
condições clínicas de dor crônica. Esses medicamentos inibem seletivamente o
5-HT3 nas terminações nervosas pré-sinápticas, o que resulta em um
aumento da concentração sináptica do 5-HT3. O uso desses
medicamentos na SII-D tem sido de considerável interesse porque a SII-D é
considerada um transtorno trato digestivo-cérebro, pois esses medicamentos
possuem efeitos de mediação central, aumentam a motilidade gástrica e
intestinal, embora eles não possuam um impacto maior sobre a sensação visceral.
Doses: Fluoxetina 20mg, Paroxetina 10mg, Citalopram 20mg.
7-
Antiespasmódicos
São frequentemente utilizados na prática
clínica para reduzir a dor abdominal da SII-D. Admite-se que os
antiespasmódicos têm a capacidade de aliviar os sintomas da SII pela diminuição
da contração do músculo liso e possivelmente da hipersensibilidade visceral. Os
antiespasmódicos incluem uma vasta quantidade de medicamentos que têm sido
utilizados clinicamente durante muitos anos e são consagrados pelo tempo de
uso.
Meus Comentários
Uma contínua
necessidade, ainda não alcançada nos ensaios clínicos a respeito da SII, é a
inexistência de um marcador biológico que possa incorporar os diferentes
mecanismos fisiopatológicos da SII-D, ou ainda, que pudesse dar com
credibilidade a resposta ao tratamento prescrito, posto que, a SII-D apresenta
diferentes mecanismos predominantes de ação como, por exemplo, normalização do
hábito intestinal e analgesia visceral. Tratamentos comportamentais e
modificações dietéticas têm mostrado efeitos benéficos nos pacientes com SII-D,
e devem ser levados em consideração com base em cada indivíduo, posto que, eles
podem ser utilizados conjuntamente com terapias farmacológicas. Esta norma de
conduta representa um importante auxílio para a utilização de novos agentes
farmacoterapêuticos recomendados no manejo da SII-D. Vale a pena ressaltar, que
a relação médico-paciente é de primordial importância nos cuidados dos
pacientes portadores de SII-D e, ao mesmo tempo, deve-se levar em consideração as
preferências do paciente, segundo critérios pessoais, na escolha da terapia
mais acertada.
Referências Bibliográficas
1- Lembo A. e cols - Gastroenterology 2022; 163:137-151.
2- Palsson OS e cols. – Gastroenterlogy 2020; 158:1262.
3- Sperber AD e cols, - Gastroenterology 2021; 160:99-114.
4- Smalley W e cols. – Gastroenterology 2021; 160:99-114.