quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Manejo farmacológico da Síndrome do Intestino Irritável com Diarreia: normas de conduta recomendadas pela Associação Americana de Gastroenterologia (AGA)

 

Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

A renomada revista Gastroenterology publicou um artigo sobre normas de conduta na Síndrome do Intestino Irritável com Diarreia, em julho de 2022, intitulado “AGA Clinical Pratice Guideline on the Pharmacological Management of Irritable Bowel Syndrome with Diarrhea”, de Lembo A.  e cols, que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos.

Introdução

A Síndrome do Intestino Irritável (SII) trata-se de um frequente transtorno da interação trato digestivo-cérebro, com uma prevalência global entre os indivíduos adultos variando de 4,1% a 10,1%. A SII afeta os indivíduos independentemente da raça ou sexo, mas, é mais comum nas mulheres e indivíduos mais jovens. Embora não seja um transtorno que apresente risco de vida, ela está associada com prejuízos significativos à qualidade de vida, além de também causar elevadas taxas de problemas psicológicos e altos custos econômicos.

A SII-D é um dos principais subtipos de SII, estimada entre 30 e 40% dos casos. O diagnóstico de confirmação da SII-D pode ser estabelecido levando-se em consideração a história clínica e o exame físico do paciente, de acordo com os Critérios de Roma IV. A presença de sintomas de alarme, tais como, início das manifestações após os 50 anos de idade, sangramento retal não atribuível a hemorroidas ou fissura anal, perda de peso não intencional, anemia ferropriva, diarreia noturna e história familiar de câncer colón, Doença Inflamatória Intestinal ou Doença Celíaca, requer investigações mais especificas para cada paciente.

Objetivos

Desde a primeira revisão técnica publicada pela AGA a respeito da SII-D, em 2014, novos tratamentos farmacológicos tornaram-se disponíveis e novas evidências têm sido acumuladas a respeito dos tratamentos estabelecidos. O propósito da presente norma de conduta é proporcionar recomendações baseadas em evidências no manejo farmacológico dos pacientes com SII-D, com base em uma síntese sistemática e abrangente da literatura. Além disso, foram também incluídas as recomendações para as seguintes 3 classes de agentes farmacoterapêuticos para SII-D, a saber: antidepressivos tricíclicos, inibidores seletivos da recaptação da serotonina e antiespasmódicos.

Recomendações

Um sumário de todas as recomendações, está disponível na Tabela 1. As descrições dos estudos incluídos estão fornecidas nas Tabelas 4 e 5, e, uma visão geral dos efeitos relativos e absolutos para os desfechos clínicos, está disponível na Tabela 6.




1-   ELUXADOLINE

Trata-se de um opioide minimamente absorvível aprovado pelo FDA na dose 100mg 2x/dia, pode ter a dose reduzida a 75mg por dia, naqueles pacientes que são incapazes de tolerar a dose maior. Esta droga é contraindicada nos pacientes que foram submetidos a extração da vesícula biliar ou naqueles que têm o hábito de beber mais do que 3 doses de bebidas alcoólicas por dia.

 

Efeitos Adversos mais comuns são: constipação (8%), náusea (7%) e dor abdominal (7%). Vale ressaltar que este medicamento apresentou melhor eficácia nos pacientes que apresentaram predominância de diarreia intensa, do que naqueles que apresentaram predominantemente dor abdominal severa. 

2-   RIFAXIMIN

Trata-se de um antibiótico administrado por via oral, não absorvível e de amplo espectro com atividade contra bactérias aeróbicas e  anaeróbicas Gram positivas e Gram negativas. Esta droga foi aprovada pelo FDA na dose de 550mg, 3x/dia, durante 14 dias. Os pacientes que apresentarem recidivas dos sintomas, podem ser novamente tratados com esse medicamento, com a mesma dosagem. Uma grande proporção de pacientes com SII-D alcançaram níveis adequados de alívio da dor abdominal, em comparação com aqueles que receberam placebo (56.6% versus 42,2%) e, também, melhor nível de qualidade de vida (38,7% versus 29,7).

Os efeitos adversos mais frequentes foram náusea, infecção das vias áreas superiores, infecção do trato urinário e nasofaringite.

3-   ALOSETRON

É um antagonista seletivo do 5-HT3 cujo mecanismo de ação tudo indica ser mediado central e perifericamente. A dose inicial recomendada é de 0,5mg 2x/dia, porém, caso ocorra constipação a dose pode ser diminuída para 0,5mg 1x/dia.

Os efeitos adversos mais frequentes são constipação e colite isquêmica. Obs.: Uso restrito para mulheres com quadro severo de SII-D.

4-   LOPERAMIDE

É um opioide sintético periférico que inibe o peristaltismo e a atividade antissecretória, prolonga o tempo de trânsito intestinal, com penetração limitada na barreira hematoencefálica. Esse medicamento foi aprovado pelo FDA para o tratamento de pacientes com diarreia aguda, crônica e do viajante. A dose inicial recomendada é de 2mg 2x/dia, porém, pode chegar até a dose máxima de 4mg 2x/dia.

 

5-   Antidepressivos tricíclicos - Amitriptilina

Tem sido utilizada para tratar os sintomas de SII-D, devido suas ações periféricas e centrais (isto é, supraespinhal e espinal), as quais podem afetar a motilidade, a secreção e o sensorial. Considerando a definição dos Critérios de Roma IV sobre os transtornos da interação do trato digestivo-cérebro, tendo como base que os antidepressivos tricíclicos apresentam efeitos fisiológicos independentes dos efeitos sobre o humor, esses agentes foram novamente rotulados como neuro moduladores do trato digestivo-cérebro. A dose destes medicamentos pode variar de 10mg a até 150mg por dia, porém, a maioria dos estudos tem utilizado a dose de 50mg/dia. Esses medicamentos mostraram-se associados com importante resposta de adequado alívio do humor e da dor abdominal.

Os efeitos adversos podem causar boca seca, sedação e constipação.

 

6-   Inibidores da recaptação seletiva da serotonina - Fluoxetina, Paroxetina e Citalopram

Esses medicamentos estão aprovados para o tratamento de  transtornos do humor tais como, ansiedade e depressão, mas também são usados para o tratamento de condições clínicas de dor crônica. Esses medicamentos inibem seletivamente o 5-HT3 nas terminações nervosas pré-sinápticas, o que resulta em um aumento da concentração sináptica do 5-HT3. O uso desses medicamentos na SII-D tem sido de considerável interesse porque a SII-D é considerada um transtorno trato digestivo-cérebro, pois esses medicamentos possuem efeitos de mediação central, aumentam a motilidade gástrica e intestinal, embora eles não possuam um impacto maior sobre a sensação visceral. Doses: Fluoxetina 20mg, Paroxetina 10mg, Citalopram 20mg.  

 

7-   Antiespasmódicos

São frequentemente utilizados na prática clínica para reduzir a dor abdominal da SII-D. Admite-se que os antiespasmódicos têm a capacidade de aliviar os sintomas da SII pela diminuição da contração do músculo liso e possivelmente da hipersensibilidade visceral. Os antiespasmódicos incluem uma vasta quantidade de medicamentos que têm sido utilizados clinicamente durante muitos anos e são consagrados pelo tempo de uso.      

 

Meus Comentários

Uma contínua necessidade, ainda não alcançada nos ensaios clínicos a respeito da SII, é a inexistência de um marcador biológico que possa incorporar os diferentes mecanismos fisiopatológicos da SII-D, ou ainda, que pudesse dar com credibilidade a resposta ao tratamento prescrito, posto que, a SII-D apresenta diferentes mecanismos predominantes de ação como, por exemplo, normalização do hábito intestinal e analgesia visceral. Tratamentos comportamentais e modificações dietéticas têm mostrado efeitos benéficos nos pacientes com SII-D, e devem ser levados em consideração com base em cada indivíduo, posto que, eles podem ser utilizados conjuntamente com terapias farmacológicas. Esta norma de conduta representa um importante auxílio para a utilização de novos agentes farmacoterapêuticos recomendados no manejo da SII-D. Vale a pena ressaltar, que a relação médico-paciente é de primordial importância nos cuidados dos pacientes portadores de SII-D e, ao mesmo tempo, deve-se levar em consideração as preferências do paciente, segundo critérios pessoais, na escolha da terapia mais acertada.

Referências Bibliográficas

1-   Lembo A. e cols -  Gastroenterology 2022; 163:137-151.

2-   Palsson OS e cols. – Gastroenterlogy 2020; 158:1262.

3-   Sperber AD e cols, - Gastroenterology 2021; 160:99-114.

4-   Smalley W e cols. – Gastroenterology 2021; 160:99-114.