Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto
A
renomada revista J Allergy Clinn Immunol publicou um artigo de
revisão, em janeiro de 2020, intitulado “Eosinophilic gastrointestinal
disease below the belt”, de Pesek R. e cols., que abaixo passo a resumir em
seus principais aspectos.
Introdução
As Enfermidades
Eosinofílicas Gastrointestinais são doenças raras do trato
gastrointestinal causadas por inflamação alérgica e disfunção gastrointestinal.
Inicialmente descritas em 1978, o reconhecimento destes transtornos tem aumentado consideravelmente ao longo das
últimas décadas. A Esofagite Eosinofílica a mais frequente delas,
tem recebido a maioria das atenções, o que acarretou avanços significativos na
compreensão dos mecanismos desta enfermidade, adoção de normas de conduta para
seu diagnóstico e manejo, e ensaios
clínicos em andamento para fornecer opções terapêuticas mais amplas. As Enfermidades
Eosinofílicas Gastrointestinais, podem afetar outras partes do trato
gastrointestinal, e incluem a Gastrite Eosinofílica, a Gastroenterite
Eosinofílica e a Colite Eosinofílica, as quais, ainda permanecem
menos compreendidas em comparação a Esofagite Eosinofílica. O
presente artigo tem por objetivo fazer uma revisão dos conhecimentos atuais a
respeito das Enfermidades Eosinofílicas Gastrointestinais.
Esofagite
Eosinofílica: Padrão Ouro
A Esofagite
Eosinofílica originalmente considerada uma manifestação de refluxo
gastroesofágico, atualmente é reconhecida como uma enfermidade imunologicamente
mediada caracterizada por inflamação eosinofílica TH2-dirigida do
tecido esofágico. A incidência e a prevalência da Esofagite Eosinofílica
tem aumentado significantemente ao longo das duas décadas, e, a incidência
atualmente estimada é de 10 para 100mil indivíduos e a prevalência entre 10 e 57
para 100mil. Avanços significativos têm sido alcançados a respeito dos
mecanismos de base da enfermidade, a identificação dos endotipos e a padronização
das medidas de desfecho. Os locus da suscetibilidade genética foram
identificados como 5q22 e 2p23 os quais codificam para a TH2-promovedora
da citocina tímica estroma da linfopoetina e a proteína calpaim-14 da barreira
esofágica, assim como as variantes próximas dos genes STAT6 e LRRC32. Recentes
estudos com perfis de transcrição utilizando espécimes de biópsias da mucosa
esofágica, têm permitido que os pacientes sejam divididos em 3 endotipos, a
saber: um grupo relativamente benigno, um grupo inflamatório, e um grupo
fibroestenótico (Figuras 1 e 2).
Figuras 1 e 2- Espécime de biópsia esofágica evidenciando na Figura 1 aumento significativo de eosinófilos (acima de 15 por campo de grande aumento); a Figura 2 evidencia verdadeiro abscesso eosinofílico.
Ensaios
terapêuticos no passado foram prejudicados pela falta de padronização da
relação entre o laudo endoscópico e o desfecho histológico, fato este que
impediu a aprovação de várias terapêuticas inovadoras. Nestes últimos 5 anos,
uma variedade de ferramentas tem sido desenvolvidas como esforço para retificar
esse tema. O índice de atividade da Esofagite Eosinofílica direciona as medidas
para o desfecho de um determinado paciente, incluindo a qualidade de vida. A
pontuação endoscópica da Esofagite Eosinofílica é largamente
utilizada na avaliação dos achados endoscópicos, e, o sistema de pontuação
histológica mensura de forma acurada as anormalidades histológicas.
As Enfermidades
Eosinofílicas não esofágicas: situação atual
Ao contrário do
esôfago, eosinófilos são residentes normais do trato gastrointestinal inferior,
e números aumentados têm sido tradicionalmente associados com infestação
parasitária, síndrome hipereosinofílica, alergia a drogas e alimentos ou doença
inflamatória intestinal, porém, pode também se constituir em uma marca padronizada
das Enfermidades Eosinofílicas Gastrointestinais. Inúmeros
pacientes podem apresentar sintomas inespecíficos, tais como: dor abdominal,
vômitos e/ou diarreia, e, considerando-se que as Enfermidades
Eosinofílicas Gastrointestinais são raras, outras enfermidades são
frequentemente consideradas como primeira opção diagnóstica. Endoscopicamente,
anormalidades variadas, tais como, nódulos, pólipos ou ulcerações, podem estar
presentes, porém, os achados também podem ser sutis ou mesmo ausentes, o que
pode evitar que as biópsias sejam realizadas. A Eosinofilia do trato
gastrointestinal pode também ocorrer em múltiplos locais, aumentando a confusão
diagnóstica. As Enfermidades Eosinofílicas Gastrointestinais não
esofágicas, tendem a ser condicionadas por um mecanismo similar ao TH2,
com níveis mais elevados de IL-4, IL-5 e IL-13, do que nos indivíduos normais.
A IgE não desempenha um papel central na patogênese da Esofagite
Eosinofílica, e este também parece ser o caso, nos pacientes com as Enfermidades
Eosinofílicas Gastrointestinais não esofágica. Por outro lado, é
interessante notar que um ensaio clínico utilizando omalizumab em pacientes com
Gastrite Eosinofílica e Gastroenterite Eosinofílica,
aqueles que foram assim tratados, apresentaram uma diminuição na contagem de
eosinófilos no estômago e no duodeno, e, também, apresentaram uma melhoria nos
escores dos sintomas clínicos. Salientando que embora a IgE não seja um efetor
primário da enfermidade, poderia ter desempenhado um papel importante em um
subgrupo de pacientes.
Os mecanismos da Colite
Eosinofílica parecem ser mais complicados para serem elucidados. Isto
se deve ao fato de poder haver substancial sobreposição com a Doença Inflamatória
Intestinal, a qual pode apresentar-se com eosinofilia intestinal e
aspectos clínicos semelhantes. Tudo indica haver diferenças especificas nas
patogêneses, que podem diferenciar os pacientes entre essas duas enfermidades.
Pacientes com Proctocolite Alérgica expressam a Eotaxina-2 de
forma mais acentuada nos linfócitos intraepiteliais, e, demostram aumento da
degranulação dos mastócitos em comparação com indivíduos controle ou mesmo em pacientes
com Doença de Crohn ou Colite ulcerativa. Embora eosinófilos
teciduais possam ser observados em ambos os casos, tanto em pacientes com as Enfermidades
Eosinofílicas Gastrointestinais como aqueles com Doença
Inflamatória Intestinal, as Enfermidades Eosinofílicas
Gastrointestinais estão associadas a maior eosinofilia no sangue
periférico, bem como níveis aumentados de citocinas que provocam a eosinofilia,
em comparação com a Colite ulcerativa (Figuras 3 e 4).
Figura 3- Espécime de biópsia retal de paciente portador de Colite Alérgica evidenciando aumento significativo de eosinófilos na lâmina própria.
Figura 4- Espécime de biópsia retal em grande aumento de paciente portador de Colite Alérgica evidenciando aumento significativo de eosinófilos na lâmina própria e intraepetielial.Tratamento das Enfermidades
Eosinofílicas Gastrointestinais não esofágicas
O tratamento das Enfermidades
Eosinofílicas Gastrointestinais não esofágicas, ainda permanece com
limitações. Em pequenos grupos de pacientes, dietas a partir da eliminação de
determinados alimentos tendem a beneficiar os pacientes e aplacar os sintomas
clínicos assim como as alterações
histológicas, ainda que estas condutas possam ser menos efetivas nas Enfermidades
Eosinofílicas Gastrointestinais não esofágicas do que as comprovadas na Esofagite
Eosinofílica. O uso de corticoesteróides pode induzir remissão da
enfermidade, mas, preparações tópicas que são efetivas em pacientes com Esofagite
Eosinofílica, causam benefícios limitados em pacientes com enfermidades
no trato gastrointestinal inferior. Para contornar essa dificuldade,
preparações entéricas revestidas ou corticoesteróides sistêmicos devem ser
utilizados, o que, entretanto, aumentam o risco de efeitos colaterais. Estudos
recentes utilizando os medicamentos biológicos tais como Vedolizumab e Benralixumab
têm se mostrado promissores na redução da eosinofilia gastrointestinal e mesmo
quanto à necessidade de esteroides sistêmicos, porém, novos estudos são
necessários para uma comprovação definitiva desta proposta terapêutica.
Perspectivas
futuras
O campo das Enfermidades
Eosinofílicas Gastrointestinais, tem se expandido rapidamente ao longo
das últimas décadas. No caso das Enfermidades Eosinofílicas
Gastrointestinais não esofágicas, muita pesquisa faz-se necessária para
alcançar os progressos vistos no tratamento da Esofagite Eosinofílica
(Tabela 1). Em primeiro lugar, critérios diagnósticos mais específicos
da Gastrite Eosinofílica, Gastroenterite Eosinofílica
e a Colite Eosinofílica devem ser elaborados.
Em segundo lugar,
mensurações de desfecho devem ser desenvolvidas incluindo aqueles relatados
pelos pacientes além das avaliações endoscópicas e histológicas. Estas
informações, pavimentarão os ensaios clínicos terapêuticos, e, dessa forma,
evitarão alguns dos problemas observados nos primeiros ensaios clínicos no
tratamento da Esofagite Eosinofílica.
Em terceiro
lugar, é necessário um esforço adicional para o conhecimento da patogênese
destas enfermidades. Como previamente discutido a análise transcriptomica tem
demostrado diferenças entre a Esofagite Eosinofílica e a Gastrite
Eosinofílica, e, isto posto estudos adicionais são necessários naqueles
pacientes portadores outras Enfermidades Eosinofílicas Gastrointestinais
não esofágicas. Por exemplo, estudos em modelos envolvendo camundongos com Gastrite
Eosinofílica e Gastroenterite Eosinofílica, a depleção dos
eosinófilos, assim como dos anticorpos contra Siglec-8 e CCR3, têm demonstrado
a normalização dos eosinófilos teciduais, bem como dos mediadores
inflamatórios, o que tem permitido a identificação de potenciais alvos
terapêuticos.
Em quarto lugar,
ensaios longitudinais são necessários para alcançar uma melhor compreensão dos
mecanismos da doença e os desfechos a longo prazo. Entretanto, como as Enfermidades
Eosinofílicas Gastrointestinais não esofágicas são raras, este fato
acarreta uma dificuldade para a
realização de ensaios clínicos longitudinais. Para contornar estas
dificuldades, será necessário o desenvolvimento de grupos de pacientes e fontes
cientificas de pesquisa envolvendo colaboração regional, nacional e
internacional.
Referências
Bibliográficas
1-
Dellon ES e cols. – Gastroenterology 2018;155:1022-33
2- Mouwad FI e cols. – Gastrointest Endoscopy Clin N Am 2019;28:15-25
3- Warners MJ e cols. – Am J Gastroenterol 2017;112:1658-69
4- Grandinetti T e cols. – Dig Dis Sci 2019;64:2231-41
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