quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Impacto dos transtornos do desenvolvimento neurológico no desfecho do manejo intestinal nas crianças com constipação funcional

 Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

A renomada revista JPGN publicou um artigo em setembro de 2022, intitulado “Impact of Neurodevelopmental Disorders on Bowel Management Outcomes in Children with Functional Constipation”, de Seidler GR e cols., que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos.

Objetivos

Pacientes que apresentam constipação funcional (CF) podem participar em programas no manejo de estruturação intestinal (MEI) quando falham os procedimentos habituais. Neste trabalho foi desenvolvido um programa para avaliar a eficácia do MEI para crianças portadoras de CF com transtornos de desenvolvimento neurológico e naquelas que não apresentavam estes transtornos.

Métodos

Foi realizado uma revisão retrospectiva das crianças que apresentavam CF participantes do MEI durante o período de 2014 a 2021. Foram avaliados os seguintes parâmetros clínicos: continência intestinal urinária, frequência da evacuação, história de cirurgia prévia, medidas de conduta relatadas pelos cuidadores, e inventário de qualidade de vida, antes de ingressar no programa e pelo menos 9 meses após ingressar no programa.

Resultados

A coorte incluiu 156 pacientes com idade média de 9 anos que foram acompanhadas durante 627 dias (variação de 389-808 dias). Foram incluídas 2 sub-coortes portadoras de CF, a saber: uma portadora de CF isolada (69%) e outra portadora de CF associada a transtorno do desenvolvimento neurológico (31%): 59% com déficit de atenção hiperatividade, 33% transtorno do espectro autista, e 8% com transtorno obsessivo-compulsivo. Ambos os grupos apresentaram significativa melhora no acompanhamento da frequência da evacuação e da continência fecal, e da continência urinária. Ocorreu também uma melhora significativa nas medidas de conduta relatadas pelos cuidadores, da mesma forma que também ocorreu uma significativa melhora na qualidade de vida das crianças.

Conclusões

Este estudo permitiu concluir que os pacientes portadores de CF pertencentes a ambas as coortes com ou sem apresentar transtornos do desenvolvimento neurológico se beneficiaram significativamente quanto a continência fecal e urinária durante o período de permanência no programa.

Referência

1- JPGN 75(3):286-92, 2022

 

 

 

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Manejo farmacológico da Síndrome do Intestino Irritável com Diarreia: normas de conduta recomendadas pela Associação Americana de Gastroenterologia (AGA)

 

Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

A renomada revista Gastroenterology publicou um artigo sobre normas de conduta na Síndrome do Intestino Irritável com Diarreia, em julho de 2022, intitulado “AGA Clinical Pratice Guideline on the Pharmacological Management of Irritable Bowel Syndrome with Diarrhea”, de Lembo A.  e cols, que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos.

Introdução

A Síndrome do Intestino Irritável (SII) trata-se de um frequente transtorno da interação trato digestivo-cérebro, com uma prevalência global entre os indivíduos adultos variando de 4,1% a 10,1%. A SII afeta os indivíduos independentemente da raça ou sexo, mas, é mais comum nas mulheres e indivíduos mais jovens. Embora não seja um transtorno que apresente risco de vida, ela está associada com prejuízos significativos à qualidade de vida, além de também causar elevadas taxas de problemas psicológicos e altos custos econômicos.

A SII-D é um dos principais subtipos de SII, estimada entre 30 e 40% dos casos. O diagnóstico de confirmação da SII-D pode ser estabelecido levando-se em consideração a história clínica e o exame físico do paciente, de acordo com os Critérios de Roma IV. A presença de sintomas de alarme, tais como, início das manifestações após os 50 anos de idade, sangramento retal não atribuível a hemorroidas ou fissura anal, perda de peso não intencional, anemia ferropriva, diarreia noturna e história familiar de câncer colón, Doença Inflamatória Intestinal ou Doença Celíaca, requer investigações mais especificas para cada paciente.

Objetivos

Desde a primeira revisão técnica publicada pela AGA a respeito da SII-D, em 2014, novos tratamentos farmacológicos tornaram-se disponíveis e novas evidências têm sido acumuladas a respeito dos tratamentos estabelecidos. O propósito da presente norma de conduta é proporcionar recomendações baseadas em evidências no manejo farmacológico dos pacientes com SII-D, com base em uma síntese sistemática e abrangente da literatura. Além disso, foram também incluídas as recomendações para as seguintes 3 classes de agentes farmacoterapêuticos para SII-D, a saber: antidepressivos tricíclicos, inibidores seletivos da recaptação da serotonina e antiespasmódicos.

Recomendações

Um sumário de todas as recomendações, está disponível na Tabela 1. As descrições dos estudos incluídos estão fornecidas nas Tabelas 4 e 5, e, uma visão geral dos efeitos relativos e absolutos para os desfechos clínicos, está disponível na Tabela 6.




1-   ELUXADOLINE

Trata-se de um opioide minimamente absorvível aprovado pelo FDA na dose 100mg 2x/dia, pode ter a dose reduzida a 75mg por dia, naqueles pacientes que são incapazes de tolerar a dose maior. Esta droga é contraindicada nos pacientes que foram submetidos a extração da vesícula biliar ou naqueles que têm o hábito de beber mais do que 3 doses de bebidas alcoólicas por dia.

 

Efeitos Adversos mais comuns são: constipação (8%), náusea (7%) e dor abdominal (7%). Vale ressaltar que este medicamento apresentou melhor eficácia nos pacientes que apresentaram predominância de diarreia intensa, do que naqueles que apresentaram predominantemente dor abdominal severa. 

2-   RIFAXIMIN

Trata-se de um antibiótico administrado por via oral, não absorvível e de amplo espectro com atividade contra bactérias aeróbicas e  anaeróbicas Gram positivas e Gram negativas. Esta droga foi aprovada pelo FDA na dose de 550mg, 3x/dia, durante 14 dias. Os pacientes que apresentarem recidivas dos sintomas, podem ser novamente tratados com esse medicamento, com a mesma dosagem. Uma grande proporção de pacientes com SII-D alcançaram níveis adequados de alívio da dor abdominal, em comparação com aqueles que receberam placebo (56.6% versus 42,2%) e, também, melhor nível de qualidade de vida (38,7% versus 29,7).

Os efeitos adversos mais frequentes foram náusea, infecção das vias áreas superiores, infecção do trato urinário e nasofaringite.

3-   ALOSETRON

É um antagonista seletivo do 5-HT3 cujo mecanismo de ação tudo indica ser mediado central e perifericamente. A dose inicial recomendada é de 0,5mg 2x/dia, porém, caso ocorra constipação a dose pode ser diminuída para 0,5mg 1x/dia.

Os efeitos adversos mais frequentes são constipação e colite isquêmica. Obs.: Uso restrito para mulheres com quadro severo de SII-D.

4-   LOPERAMIDE

É um opioide sintético periférico que inibe o peristaltismo e a atividade antissecretória, prolonga o tempo de trânsito intestinal, com penetração limitada na barreira hematoencefálica. Esse medicamento foi aprovado pelo FDA para o tratamento de pacientes com diarreia aguda, crônica e do viajante. A dose inicial recomendada é de 2mg 2x/dia, porém, pode chegar até a dose máxima de 4mg 2x/dia.

 

5-   Antidepressivos tricíclicos - Amitriptilina

Tem sido utilizada para tratar os sintomas de SII-D, devido suas ações periféricas e centrais (isto é, supraespinhal e espinal), as quais podem afetar a motilidade, a secreção e o sensorial. Considerando a definição dos Critérios de Roma IV sobre os transtornos da interação do trato digestivo-cérebro, tendo como base que os antidepressivos tricíclicos apresentam efeitos fisiológicos independentes dos efeitos sobre o humor, esses agentes foram novamente rotulados como neuro moduladores do trato digestivo-cérebro. A dose destes medicamentos pode variar de 10mg a até 150mg por dia, porém, a maioria dos estudos tem utilizado a dose de 50mg/dia. Esses medicamentos mostraram-se associados com importante resposta de adequado alívio do humor e da dor abdominal.

Os efeitos adversos podem causar boca seca, sedação e constipação.

 

6-   Inibidores da recaptação seletiva da serotonina - Fluoxetina, Paroxetina e Citalopram

Esses medicamentos estão aprovados para o tratamento de  transtornos do humor tais como, ansiedade e depressão, mas também são usados para o tratamento de condições clínicas de dor crônica. Esses medicamentos inibem seletivamente o 5-HT3 nas terminações nervosas pré-sinápticas, o que resulta em um aumento da concentração sináptica do 5-HT3. O uso desses medicamentos na SII-D tem sido de considerável interesse porque a SII-D é considerada um transtorno trato digestivo-cérebro, pois esses medicamentos possuem efeitos de mediação central, aumentam a motilidade gástrica e intestinal, embora eles não possuam um impacto maior sobre a sensação visceral. Doses: Fluoxetina 20mg, Paroxetina 10mg, Citalopram 20mg.  

 

7-   Antiespasmódicos

São frequentemente utilizados na prática clínica para reduzir a dor abdominal da SII-D. Admite-se que os antiespasmódicos têm a capacidade de aliviar os sintomas da SII pela diminuição da contração do músculo liso e possivelmente da hipersensibilidade visceral. Os antiespasmódicos incluem uma vasta quantidade de medicamentos que têm sido utilizados clinicamente durante muitos anos e são consagrados pelo tempo de uso.      

 

Meus Comentários

Uma contínua necessidade, ainda não alcançada nos ensaios clínicos a respeito da SII, é a inexistência de um marcador biológico que possa incorporar os diferentes mecanismos fisiopatológicos da SII-D, ou ainda, que pudesse dar com credibilidade a resposta ao tratamento prescrito, posto que, a SII-D apresenta diferentes mecanismos predominantes de ação como, por exemplo, normalização do hábito intestinal e analgesia visceral. Tratamentos comportamentais e modificações dietéticas têm mostrado efeitos benéficos nos pacientes com SII-D, e devem ser levados em consideração com base em cada indivíduo, posto que, eles podem ser utilizados conjuntamente com terapias farmacológicas. Esta norma de conduta representa um importante auxílio para a utilização de novos agentes farmacoterapêuticos recomendados no manejo da SII-D. Vale a pena ressaltar, que a relação médico-paciente é de primordial importância nos cuidados dos pacientes portadores de SII-D e, ao mesmo tempo, deve-se levar em consideração as preferências do paciente, segundo critérios pessoais, na escolha da terapia mais acertada.

Referências Bibliográficas

1-   Lembo A. e cols -  Gastroenterology 2022; 163:137-151.

2-   Palsson OS e cols. – Gastroenterlogy 2020; 158:1262.

3-   Sperber AD e cols, - Gastroenterology 2021; 160:99-114.

4-   Smalley W e cols. – Gastroenterology 2021; 160:99-114.       

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Manejo farmacológico da Síndrome do Intestino Irritável com Constipação: normas de conduta recomendadas pela Associação Americana de Gastroenterologia (AGA)

Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

A renomada revista Gastroenterology publicou um artigo sobre normas de conduta na Síndrome do Intestino Irritável com Constipação, em julho de 2022, intitulado “AGA Clinical Pratice Guideline on the Pharmacological Management of Irritable Bowel Syndrome with Constipation”, de Chang L.  e cols, que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos.

Introdução

A Síndrome do Intestino Irritável (SII) trata-se de um transtorno frequente decorrente da interação trato digestivo-cérebro, com uma prevalência universal que varia entre 4,1% e 10,1%. A SII afeta os indivíduos de forma generalizada independentemente da raça, idade ou sexo, porém, é mais frequente nas mulheres e indivíduos jovens. Embora a SII não seja uma entidade clínica que coloque em risco a vida, ela está associada com significante prejuízo pessoal incluindo diminuição na qualidade de vida, elevadas taxas de comorbidades psicológicas e altos custos financeiros. Os pacientes portadores da SII relatam uma pior qualidade de vida do que aqueles portadores de diabetes e com doença renal em estágio terminal. O impacto da SII nas funções diárias pode ser demonstrada pelas altas taxas de absenteísmo (média de 13,4 dias no trabalho ou na escola por ano, comparado com 4,9 dias nos indivíduos que não apresentam SII) e presenteísmo (87% relatam reduzida produtividade no trabalho, na semana anterior, resultando em cerca de 14 horas por semana de perda da produtividade devido à SII).  Socialmente, o ônus da SII na vida diária pode ser percebida no impacto negativo de fazer as refeições fora de casa, divertir-se com amigos, viajar e fazer turismo em lugares desconhecidos.

 A SII com constipação (SII-C) é um subtipo de SII que afeta mais de 1/3 dos casos de SII. Uma pesquisa realizada pela AGA em pacientes com SII-C, demonstrou que os indivíduos relatam dificuldade de concentração, evitam relações sexuais e não se sentem capazes em seus plenos potenciais. O diagnóstico de certeza de SII-C pode ser estabelecido com base na história clínica e no exame físico, avaliação dos sintomas gastrointestinais (em especial sinais de alarme), alguns testes diagnósticos e a utilização dos sintomas baseados nos critérios de Roma IV. A presença de sinais de alarme, tais como: surgimento dos sintomas após os 50 anos de idade, sangramento retal não atribuível a hemorroida ou fissura anal, perda de peso não intencional, anemia ferropriva, diarreia noturna, histórico familiar de câncer no colón, Doença Inflamatória Intestinal ou Doença Celíaca, requer investigações mais especificas para cada paciente.    

Objetivos

Desde a primeira publicação da AGA, que foi a primeira revisão técnica sobre SII-C e suas respectivas normas de conduta em 2014, novos tratamentos farmacológicos tornaram-se disponíveis e novas evidências têm sido acumuladas a respeito dos tratamentos estabelecidos. O propósito destas normas de conduta atuais é oferecer recomendações baseadas em evidências para o manejo farmacológico de indivíduos portadores de SII-C, baseadas em uma síntese sistemática e abrangente da literatura. Além disso, foram incluídas as recomendações para as seguintes 3 classes de agentes farmacoterapêuticos para SII-C, a saber: antidepressivos tricíclicos, inibidores seletivos da recaptação da serotonina e antiespasmódicos.

Recomendações

Um resumo de todas as recomendações está fornecida na Tabela 1.









Uma descrição dos estudos incluídos está publicada na Tabela 4 e uma visão geral do efeito relativo e absoluto estimado para o desfecho clínico está publicada na Tabela 5.

SÍNDROME DO INTESTINO IRRITÁVEL – CONSTIPAÇÃO

1)   TENAPANOR – trata-se de uma pequena molécula inibidora do permutador gastrointestinal  sódio/hidrogênio isoform3. Ocorre inibição da absorção do sódio e aumento da secreção de água.

Nome comercial: IBSRELA

Dose: 50mg    1x/dia

Efeitos Adversos: diarreia, dor abdominal e náusea


2)   PLECANATIDE – trata-se de um Peptídeo não absorvível composto por 16 amino-ácidos, estruturalmente semelhante à uroguanilina, da mesma forma que o Linaclotide, estimula a guanilato ciclase C, que é um receptor dos enterócitos via o segundo mensageiro monofosfato cíclico de guanosina.

Nome comercial: TRULANCE

Dose: 3mg 1x/dia

Efeitos Adversos: diarreia


3)   LINACLOTIDE – trata-se de um Peptídeo não absorvível composto por 14 amino-ácidos, semelhante ao Plecanatide, que provoca secreção de cloro e bicabornato no lúmen intestinal.

Nome comercial: LINZESS ou CONSTELLA

Dose: 290 µg 1x/dia

Efeitos Adversos: diarreia


4)   TEGAZERODE – trata-se de um antagonista parcial do receptor de 5-HT4, estimula motilidade gastrointestinal e aumento da quantidade de fluido intraluminal.  

Nome comercial: ZELMAC

Dose: 1 – 6mg 2x/dia

Efeitos Adversos: Diarreia e Cefaleia

Risco: Problema Cardiovascular.

Obs: Uso somente para Mulheres até 65 anos.


5)   LUBIPROSTONA – trata-se de um ativador do canal de cloro do lúmen intestinal, intensifica o fluxo de líquido para o intestino e acelera o trânsito intestinal.  

Nome comercial: AMITIZA

Dose: 8 µg 2x/dia

Efeitos Adversos: Tontura, palpitações, dor abdominal, diarreia.


6)   POLIETILENO GLICOL (PEG) – trata-se de um polímero de cadeia longa do óxido de etileno que age como um laxante osmótico, cuja recomendação já havia sido proposta na norma de conduta de 2014. Desde então, tem sido largamente empregado no tratamento da constipação, PEG desprovido de eletrólitos.


7)   ANTIDEPRESSIVOS TRICÍCLICOS (ATC): Devem ser usados em pacientes portadores com SII-C?

Esta recomendação permaneceu inalterada desde a guia de conduta de 2014. Os ATCs tem sido utilizados na  SII-C devido as suas ações periféricas e centrais, as quais podem afetar a motilidade, secreção e sensação. A SII-C bem como outros transtornos funcionais foram redefinidos nos Critérios de Roma IV como transtorno da interação do trato digestivo-cérebro, caracterizados por quaisquer combinações de distúrbios da motilidade, hipersensibilidade visceral, funções alteradas da mucosa e imunológicos, alteração da microbiota intestinal e alterações no processamento do Sistema Nervoso Central. Com consonância com essa redefinição e baseado no fato de que os ATCs e outros antidepressivos apresentam diferentes efeitos fisiológicos sobre o humor, esses agentes têm sido redefinidos como neuromoduladores do sistema trato digestivo-cérebro.

Nome: AMITRIPTILINA, DESIPIRAMINA, TRIMIPRAMINA, INIPRAMINA, DOXEPIN.

Dose:  50 a 150mg 1x/dia

Efeitos Adversos: Boca seca e Sedação.

  

8)   INIBIDORES DA RECAPTAÇÃO DA SEROTONINA (IRS):

Esta recomendação permaneceu inalterada desde a guia de conduta de 2014. Os IRS estão aprovados para o tratamento de transtorno do humor, tais como: ansiedade e depressão, posto que eles inibem seletivamente a recaptação da 5-HT nas terminações do nervo pré- sináptico, que resultam em um aumento da concentração sináptica dos 5-HT.

Nome: FLUOXETINA Dose: 20mg 1x/dia;

PAROXETINA Dose 10-50mg/dia.

 

9)   ANTIESPASMÓTICOS (ATEs):

Esta recomendação permaneceu inalterada desde a guia de conduta de 2014. Os ATEs são frequentemente usados na prática clínica para reduzir a dor abdominal associada a SII-C. Embora o ATEs pertençam a diferentes classes farmacológicas, admite-se que sejam eficazes para aliviar os sintomas da SII, por meio da contração do músculo liso e possivelmente a sensibilidade visceral.

CONCLUSÕES  

As limitações dos ensaios clínicos nas SII-C continuam esbarrando na inexistência de marcador biológico que possa incorporar os possíveis diferentes mecanismos fisiopatológicos da SII-C, ou que possam de forma confiável predizer a resposta terapêutica às medicações que apresentam diferentes mecanismos predominantes de ação. Por exemplo, normalização do hábito intestinal e analgesia visceral, e a necessidade de tratamentos clinicamente efetivos que proporcionem alívio dos múltiplos sintomas.

Modificações dietéticas e tratamentos comportamentais têm demonstrado efeitos benéficos nos pacientes com SII-C, e devem ser considerados individualmente, posto que podem ser utilizados de forma conjunta com terapêuticas farmacológicas.     

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1-   Can L e cols. – Gastroenterology 2022; 163:118-136

2-   Weinberg DS e cols – Gastroenteroloy 2014; 1146-48

3-   Boulete IM e cols.- World J Gastroenterology 2018; 24:1888-1900

4-   Chey WD e cols. – Am J Gastroenterol 2017; 112:763-774

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Investigações da função colônica em crianças: uma revisão pelo Grupo de Trabalho de Motilidade da ESPGHAN

 

Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

A renomada revista JPGN publicou um artigo de revisão, em maio de 2022, intitulado “Colonic Function Investigations in children: review by the ESPGHAN Motility Working Group”, de Rybak A. e cols, que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos.

Introdução

A motilidade é um componente essencial da fisiologia colônica, controladora de funções cruciais, tais como: propulsão, armazenamento e expulsão das fezes. Transtornos da motilidade colônica na Pediatria podem incluir uma enorme variedade de sintomas, abrangendo desde constipação a diarreia, distensão abdominal, dor abdominal e incontinência fecal.  Vários métodos têm sido padronizados para investigar a função neuromuscular colônica, principalmente na última década, testemunhando muitos avanços técnicos, incluindo o desenvolvimento de sombras miniaturizadas, novos sistemas e dispositivos de determinação pressóricas. Ao mesmo tempo, a manometria de alta resolução tornou-se padrão de investigação, e, atualmente, está disponível em todos os centros pediátricos de motilidade de maior importância. O uso disseminado dessa técnica tem permitido uma melhor caracterização dos padrões motores colônicos e da função anorretal, auxiliando para uma melhor compreensão da fisiopatologia dos diferentes transtornos colônicos. A despeito da indubitável importância dessas novas técnicas desenvolvidas, métodos clássicos, tais como, a avaliação do tempo de trânsito colônico, tanto com o uso de marcadores radiopacos, como a cintilografia colônica, possuem vantagens e ainda mantem suas utilidades na avaliação clínica inicial em crianças com transtornos da defecação.

 O propósito deste artigo é fazer uma revisão da literatura de todas as técnicas disponíveis para o estudo da motilidade colônica em crianças que apresentam potencial transtorno da motilidade, com a intenção de oferecer um guia prático para os médicos envolvidos neste tipo de cuidado.       

Métodos

Estudo do trânsito colônico utilizando marcadores radiopacos (MRO)

O teste com MROs é o método mais largamente utilizado para o estudo do tempo de trânsito colônico, tanto total como parcial. O tempo de trânsito colônico total e/ou segmentar são estimados por meio da contagem do número de marcadores radiopacos ingeridos que permanecem no abdome, utilizando-se a radiologia abdominal simples, realizada em um tempo específico pré-determinado.

Classicamente, o uso do teste MRO permite a distinção entre trânsito colônico normal, constipação devido a trânsito lento e obstrução retal distal. Devidos aos riscos potenciais de exposições repetidas aos raios-X, o teste com MRO não é rotineiramente recomendado para a realização do diagnóstico de constipação funcional, e, somente deve ser utilizado para diferenciar constipação funcional da incontinência fecal funcional não retentora, quando o diagnóstico não está bem esclarecido. O teste fornece o diagnóstico com clareza e permite selecionar aquelas crianças que irão se beneficiar de investigações mais invasivas da motilidade. A Figura 1 demonstra as indicações do teste MRO no algoritmo do diagnóstico em crianças com constipação (Tabela 1).       





O teste com MRO apresenta algumas limitações. Embora ele seja realizado para distinguir entre trânsito colônico normal, trânsito colônico lento e obstrução retal distal, não fornece informações a respeito da diferenciação entre dissinergia ou outras causas de obstrução retal distal (como por exemplo, aganglionose, anismo, retocele).

Vale ressaltar que a utilidade da determinação do tempo de trânsito colônico está limitada àquelas crianças que são capazes de deglutir as capsulas de MRO, que normalmente são misturadas com colher contendo líquido espesso ou na comida em forma de purê (Figura 2).

Cintilografia Colônica (CC)



A CC é uma técnica segura e não invasiva, utilizada como uma ferramenta diagnóstica em crianças com constipação crônica refratária.  A CC auxilia para antever a função motora do colon e discrimina entre trânsito retardado colônico total, dismotilidade colônica localizada e obstrução retal funcional, por meio da presença do radionuclídeo no reto sigmoide. A CC também é indicada nos pacientes cuja cirurgia é levada em consideração nas condições e suspeitas de constipação devido a trânsito lento, quando a manometria colônica não se encontra disponível (Figura 3).  

Manometria Colônica (MC)

A MC tem sido considerada como o padrão ouro para avaliar a função neuromuscular colônica nas crianças que sofrem de constipação crônica intratável. Trata-se de uma investigação segura e bem tolerada, e, sua disponibilidade tem se tornado cada vez mais presente nos centros terciários de atendimento. Levando-se em consideração a extensão e a natureza das anormalidades motoras colônicas a MC passou a ser considerada a ferramenta mais promissora como um guia terapêutico de última geração, incluindo o manejo farmacológico e cirúrgico nas crianças com transtornos intratáveis da defecação. Entretanto, até o presente momento, nenhum fator de previsão tem sido identificado para determinar o desfecho clínico do manejo pós cirúrgico.

As indicações e as características técnicas da MC estão bem estabelecidas na população pediátrica. A MC é utilizada como uma ferramenta diagnóstica em uma larga variedade de transtornos severos da defecação (Tabela 2 / Figuras 4, 5 e 6).









Cápsula Wireless (CW)

A CW trata-se de uma nova ferramenta não radioativa e minimamente invasiva para avaliar a função motora colônica. A maioria das investigações têm sido relatadas em adultos, e, há somente um estudo em Pediatria, que demonstra sua viabilidade e segurança em crianças maiores de 8 anos de idade, que apresentam sintomas do trato gastrointestinal superior.  Em 2009, Rao e cols., realizaram um estudo multicêntrico administrando simultaneamente a CW e a MRO em 78 adultos com constipação versus um grupo controle de pacientes sadios. Não ocorreram quaisquer efeitos adversos nos pacientes que ingeririam a cápsula. O grupo de pacientes portadores de constipação evidenciaram tempo de trânsito significativamente mais lento no dia 2 e no dia 5 ao Raio-X e à CW. A mensuração do trânsito com a CW, correlacionou-se de forma significativa com aquela observada pela MRO em ambos os dias. Considerando-se a segurança da CW e seu baixo teor de invasão, ensaios clínicos em crianças são necessários para avaliar seu uso na Gastroenterologia Pediátrica.

Sistema de Rastreamento com Cápsula Eletromagnética (SRCE)          

Uma abordagem alternativa para o estudo da função colônica está representada pelo uso do SRCE. O primeiro SRCE foi descrito por Hiroz e cols. em 2009, que consistia em um Sistema Estacionário de Rastreamento com Cápsula Eletromagnética, o qual baseou-se em um magneto permanente e requereu que o paciente fosse colocado em um leito não magnético durante o tempo total do exame. O Sistema foi progressivamente aperfeiçoado até 2014, quando os resultados passaram a ser demonstrados em 3D. Este novo sistema é capaz de rastrear simultaneamente a posição e a orientação de até 3 cápsulas eletromagnéticas, desde a ingestão até sua eliminação. O Sistema permite a monitoração do sinal entre 60 e 120 horas. Após a gravação se completar, os dados são levados a um computador e convertidos em 3D, usando um software específico. 

Ressonância Magnética de Cinemotilidade (RMC)

Considerando-se os dados do uso da RMC para avaliar a motilidade gastrointestinal houve um avanço nos últimos anos, porém, a maioria dos estudos foram realizados em adultos. A RMC trata-se de uma ferramenta com a aplicação de uma técnica de alta resolução têmporo-espacial, para facilitar a dinâmica e permitir a visualização do diâmetro do lúmen intestinal.

Na literatura, a RMC está descrita na avaliação da acomodação e esvaziamento do estômago, na motilidade do íleo terminal em pacientes com Doença de Chron, e, no intestino delgado em pacientes com Pseudo Obstrução Intestinal Crônica.

Os benefícios da RMC permitem suplantar algumas limitações da manometria. A vantagem da RMC é o fato de não ser invasiva e não necessitar de sedação ou anestesia geral, o que em pacientes de baixa idade pode se tornar uma limitação e afetar a motilidade intestinal.

Resumo    

Durante as últimas décadas, esforços substanciais têm sido realizados para a melhor avaliação da função neuromuscular colônica, como consequência da evolução das antigas tecnologias e a implementação de novas. É necessário levar em consideração que a mensuração do trânsito colônico não fornece uma mensuração direta da função neuromuscular colônica, por isso, um único estudo para avaliar a função motora colônica pode não ser suficiente, e, frequentemente, são necessários vários métodos para esta avaliação, dependendo da gravidade do problema e da sua interpretação no contexto clínico. A partir da aplicação das novas técnicas disponíveis atualmente, o planejamento cuidadoso de projetos de pesquisa multicêntricos em coortes pediátricas com constipação crônica devem ser levados a cabo.

Referências Bibliográficas

1-   Rybak A. e cols: JPGN 2022; 74: 681-92

2-   Nurko S. e cols: Pediatr Clin North Am 2017; 64: 593-612

3-   Hiroz P. e cols: Neurogastroenterol Motil 2009; 21: 838-57

4-   Rao SSC. e cols: Clin Gastroenterol Hepatol 2008; 7: 537-44

5-   Kappen LIN e cols. Neurogastroenterol Motil 2018; 30:e13401

terça-feira, 23 de agosto de 2022


 


Professor Emérito

Ulysses Fagundes Neto

O reconhecimento do legado da plena dedicação devotada ao engrandecimento perene da

Escola Paulista de Medicina

 



Corria algum dia do mês de janeiro de 2021, quando inesperadamente fui surpreendido por um telefonema do Diretor da Escola Paulista de Medicina (EPM), Professor Manuel Girão, que de uma forma muito singela, assim se dirigiu a mim: “estimado professor Ulysses, você gostaria que eu indicasse seu nome à Comissão de Títulos para receber o título de Professor Emérito? Esta será uma indicação da diretoria da EPM em consideração à sua plena dedicação para o engrandecimento da nossa Instituição”. Confesso que em um primeiro momento fiquei atônito, não estava na minha expectativa, naquele momento, ser selecionado para semelhante honraria. Uma vez recobrado o fôlego respondi que me sentiria profundamente grato e orgulhoso pela tão honrosa indicação. Assim, em fevereiro do mesmo ano meu nome foi submetido à apreciação da Comissão de Concessão de Títulos Honoríficos da EPM.  Logo após terminada a reunião da Comissão fui informado pela sua Presidente a Profa. Lydia Massako Ferreira que meu nome havia sido aprovado por unanimidade pelos componentes dela, a qual era composta por Professores Titulares da EPM. Em seguida esta decisão foi submetida à apreciação da Congregação da EPM, e, novamente, meu nome foi aprovado por unanimidade. Foi, então, marcada a data de 24 de agosto de 2021 para ser outorgada, a mim tal honraria, em uma sessão solene da Congregação.





Infelizmente, por uma contingência inesperada, na semana imediatamente anterior à data estabelecida para a realização do evento, Professor Girão foi acometido pela infecção por COVID, o que levou ao cancelamento da festividade. O destino mostrou-se extremamente cruel e o Professor Girão caiu gravemente enfermo. Tragicamente, após 2 meses de uma longa batalha pela sobrevivência, com muito sofrimento, ele veio a falecer. Em virtude do passamento do Prof. Girão a supra referida premiação permaneceu suspensa sine die.

   


Finalmente, no dia 9 de agosto de 2022, o atual Diretor da EPM Prof. Fúlvio Scorza convocou nova sessão solene da Congregação da EPM para a entrega dos títulos honoríficos aos agraciados como Beneméritos, Honoris Causa e Eméritos. Foi uma sessão repleta de emoções tanto pela satisfação dos agraciados como também pela reverência ao saudoso Professor Girão.




Imediatamente após haver recebido o troféu comemorativo da honraria, fui convidado a fazer o uso da palavra.

 



Nesta oportunidade, disse logo de início que não iria me ater às minhas atividades docentes dedicadas ao ensino, pesquisa e extensão ao longo de mais de 40 anos de vida acadêmica. Decidi  que queria falar sobre minha paixão incondicional pela EPM, que nasceu em 1965 quando aqui ingressei como estudante de Medicina. Esta paixão brotou em mim assim que eu tive a honra e orgulho de vestir pela primeira vez a camiseta da nossa gloriosa Associação Atlética Acadêmica Pereira Barreto (AAAPB) para participar das competições interuniversitárias.


 

 Equipe de futebol de salão que venceu a Pauli-Poli de 1965

 

Equipe de voleibol que venceu a Pauli-Poli de 1965

 

Ação de um jogo de voleibol na III Intermed 1969, Botucatu

 

Equipe de futebol vencedora da III Intermed 1969, Botucatu

 

Tres colegas da turma 1970: Sérgio, eu e Fernando, na III Intermed 1969, Botucatu

 

Equipe de futebol participante da IV Intermed 1970, Santos

 

Comemoração pela vitória da IV Intermed 1970, Santos

 

 

Equipe de futebol campeã do campeonato paulista universitário organizado pela FUPE, 1970


Eu praticava 3 esportes, a saber, futebol, futebol de salão e voleibol, e, durante os 6 anos do curso, disputei 6 Pauli-Meds, das quais vencemos 5 delas, 6 Pauli-Polis, das quais vencemos todas, sendo que na primeira delas a nossa Escola não vencia esta tradicionalíssima competição havia 10 anos, e 4 Intermeds das quais vencemos 3. Além disso, nos sagramos vice-campeões de voleibol no campeonato universitário estadual organizado pela Federação Paulista Universitária de Esportes (FUPE) em 1968 e campeões paulistas de futebol em 1970. Neste ano fui eleito pela FUPE atleta do ano na modalidade futebol.

 


Professora Lydia Massako Ferreira, Professor Fúlvio Scorza, secretária Márcia Grijol e eu.


Os especialistas em relações afetivas dizem que paixão é um sentimento que perdura por 2 ou 3 anos, e após este período, tal sentimento se transforma em amor, amizade, companheirismo. Comigo, porém, ocorreu algo totalmente ao contrário, pois passados exatos 57 anos, minha paixão mantem-se intocável, e disso muito me orgulho. Eu tive que sair da EPM, mas a EPM nunca saiu da minha mente e, mais ainda, nunca saiu do meu coração.