Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto
A
renomada revista JPGN de novembro de 2020, publicou um importante artigo de
autoria de Koletzko B. e cols., intitulado “National Recommendations for Infant
and Young Child Feeding in the World Health Organization European Region” que a
seguir passo a abordar em seus aspectos de maior relevância.
Introdução
A
introdução de alimentos sólidos na nutrição da criança trata-se de um momento
crucial para o seu desenvolvimento. A OMS e a UNICEF recomendam a utilização do
aleitamento natural exclusivo (ANE) durante os primeiros 6 meses de vida,
seguida da introdução de alimentos complementares (ACs) em associação com o
aleitamento natural até os 2 anos de idade, e podendo mesmo avançar além deste
período da vida. Revisões sistemáticas têm demostrado inúmeros benefícios de
curto e longo prazo associados ao aleitamento natural, tais como, menor risco
de morte, proteção contra gastroenterite, otite média e infecções
respiratórias, além disso, menores probabilidades de sobrepeso e obesidade,
diabete tipo 2 e hipertensão arterial em fase posterior da vida. Por todos
esses motivos, promover, proteger e dar apoio ao aleitamento natural, trata-se
de importante prioridade de saúde pública.
A
alimentação complementar adequada é extremamente importante devido ao rápido
ritmo de crescimento e desenvolvimento dos lactentes, e, ao mesmo tempo, a
elevada suscetibilidade para deficiências e/ou excessos nutricionais, em
virtude da ocorrência das frequentes mudanças do mercado dietético que expõe os
lactentes a novos alimentos, sabores e texturas. Por esta razão, o período de
introdução dos ACs requer uma atenção particular quanto a fornecer uma nutrição
adequada. As práticas recomendadas incluem a introdução dos ACs por volta dos 6
meses de idade, a frequência de suficientes refeições e tamanho das porções,
diversificação dietética, textura apropriada dos alimentos, segurança quanto a
preparação, armazenamento e higiene. É da maior importância fornecer fontes de
nutrientes essenciais, tais como ferro e zinco, na introdução dos ACs. Este
fato é especialmente importante para lactentes em ANE cujos depósitos de ferro,
passam a estar diminuídos entre 4 e 6 meses de vida, e mais tarde, entre os
pré-escolares, porque o ferro continua a ser essencial para o desenvolvimento
sadio do cérebro.
Há
uma vasta literatura a respeito do aleitamento natural e do aleitamento
artificial, mas pouca atenção tem sido dedicada ao período de introdução dos
ACs, e a preocupação com o momento da sua introdução bem como a sua capacidade
nutricional, e a segurança para lactentes e pré-escolares. Informações a
respeito das atuais recomendações pelas Organizações europeias estão em
falta. O presente estudo tem por objetivo fornecer estas recomendações
nutricionais para lactentes e pré-escolares na região europeia.
Métodos
Um
questionário com 32 perguntas foi encaminhado para os departamentos de saúde
das nações componentes da comunidade europeia envolvendo a nutrição das
crianças.
Resultados
Pediatras de 48 dentre os 53 estados membros (91%) da região europeia, providenciaram respostas cujos principais resultados estão mostrados na Tabela 1.
Tabela 1
As
existências de recomendações nacionais
Dentre
os países participantes a maioria (45/48 países; 94%) relataram haver
recomendações nacionais a respeito da alimentação de lactentes e pré-escolares.
Apenas 3 países (3/53; 6%) relataram não ter recomendações deste tópico.
Na
maioria dos países que possuem recomendações nacionais a respeito da nutrição
dos lactentes e pré-escolares, estas foram relatadas como sendo emitidas ou
endossadas pelos respectivos governos (41/45; 91%). Em 4 países (4/45; 9%) que
não possuem endosso formal do governo, os grupos profissionais são responsáveis
pelas recomendações nacionalmente utilizadas.
Informações
a respeito da promoção e apoio ao aleitamento natural e aos substitutos do
leite materno
Em
42 dos 45 países (93%) que apresentam recomendações nacionais promovem e apoiam
o ANE nos primeiros 6 meses de vida, enquanto 3 países (7%) promovem o ANE por
4 meses. 29 dos 45 países (64%) promovem e apoiam o ANE até os 2 anos de idade
e inclusive além desta faixa etária, enquanto 9 países (20%) promovem a
continuidade do ANE até 1 ano de idade.
Idade
de introdução de ACs
As informações a respeito das recomendações da idade de introdução do AC mostraram-se disponível em 34 dos 45 países que possuem recomendações nacionais. A idade ideal para a introdução da AC foi recomendada ser aos 6 meses em 25/34 países (74%); 4 meses em 6 países (18%) e 5 meses 3 países (9%) (Figura 1).
Figura 1
Recomendações
de líquidos além de água
As
recomendações a respeito de líquidos existem em 44/45 países, sendo que em 21
dos 44 países (48%) recomendam o ANE até os seis meses de idade, enquanto 23/44
países (52%) recomendam AN associado com outros líquidos associados, nesse
período. As recomendações para oferecer sucos aumentam com a idade da mesma
forma que a inclusão de chás que variam de 6 meses a 2 anos de idade.
Grupos
dos primeiros alimentos
A
principal recomendação para os grupos dos primeiros alimentos são vegetais em
35 dos 41 países (85%), frutas 26 (63%) e cereais 25 países (61%) (Figura 2).
Poucos países também recomendam a introdução de carne (14 países; 34%), arroz
(10 países; 24%), peixe (6 países; 15%) , ovo (3 países; 7%), laticínios (3
países; 7%) , pão (2 países; 5%) e macarrão (1 países; 1%) como primeiro grupo
de alimentos.
Figura 2
Idade
de introdução de carne e alimentos ricos em ferro
44
países relataram informações a respeito das recomendações da idade de
introdução de carne e outros alimentos cujas fontes são ricas em ferro, embora
1 país não tenha especificado a idade e, portanto, não foi incluído nesta
análise. 26 de 43 países (63%) recomendam a introdução de proteína e fontes
ricas em ferro aos 6 meses, enquanto 4 países (9%), recomendam a introdução mais
precocemente.
Conclusão
Na
maioria dos países os governos endossam as recomendações para os latentes e
pré-escolares, e participam da implementação destas recomendações, o que é
altamente recomendável porque esta atitude aumenta as possibilidades da sua
efetiva implementação. A maioria dos países da região europeia recomenda o ANE
nos primeiros 6 meses de vida e, consequentemente, a introdução de ACs a partir
dos 6 meses em diante. As recomendações dos 93% dos países afirmam que promovem
e aprovam o ANE durante os 6 primeiros meses de vida. Por outro lado, 82%
dos países também recomendam que lactentes que não recebem ANE, não devem
iniciar ACs antes dos 4 meses de idade. Deve-se ressaltar a importância do
fornecimento de fontes ricas em ferro com a introdução dos ACs, posto que a
deficiência de ferro continua a ser a deficiência mais frequente de
micronutrientes na infância, a qual acarreta anemia e pode também causar
efeitos adversos no desenvolvimento do cérebro com potencial sequelas ao longo
da vida.
Meus comentários
O
presente artigo demonstra claramente a inexistência de uniformidade de
orientações nutricionais no primeiro ano de vida nos países da comunidade
europeia. Há nitidamente uma grande heterogeneidade de propostas de orientação
nutricional que trazem grandes confusões de condutas. No Brasil, o Departamento
de Nutrição da Sociedade Brasileira de Pediatria, em 2018, publicou as
orientações a respeito da alimentação do lactente levando em consideração os
seguintes momentos da vida do lactente: aleitamento natural exclusivo até o
sexto mês, leite materno até o segundo ano de vida com a introdução de
alimentos complementares a partir do sexto mês. A proposta de introdução dos
alimentos complementares deve incluir almoço e jantar, e a refeição deve conter
cereais ou tubérculos, proteína vegetal ou leguminosas (feijão, lentilha, soja,
grão de bico), proteína animal (todos os tipos de carnes, vísceras e ovo) e
hortaliças, sem adição de sal. Ao meu ver as propostas de orientação
nutricional brasileira parecem totalmente apropriadas, principalmente
pela promoção do aleitamento natural exclusivo até o sexto mês de vida
prolongando-se até o segundo ano. Está claro que este prolongamento pode ser
ainda mais ousado, dependendo do desejo e das possibilidades maternas ou mesmo
encurtado considerando-se que o trabalho materno poderá ser um fator limitante
para a prática do aleitamento natural, a partir de uma determinada idade após o
sexto mês de vida.
Referências Bibliográficas
·
Koletzco
B e cols.- JPGN 2020;71:672-78
·
Prell
C e cols. -DAI 2016;113:435-44
· Koletzco B e cols. Ann Ver Nutr 2019;39:21-44