quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

O elevado fardo sobre os pacientes causado pelas Doenças Gastrointestinais Eosinofílicas

Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

 

A revista JPGN de outubro de 2020, publicou um importante artigo de autoria de Jensen E. T. e cols., intitulado “High Patient Disease Burden in a Cross-sectional, Multicenter Contact Registry Study of Eosinophilic Gastrointestinal Diseases” que a seguir passo a abordar em seus aspectos de maior relevância.

 

INTRODUÇÃO

As Doenças Gastrointestinais Eosinofílicas (DGE) que incluem a Esofagite Eosinofílica (EEo), Gastrite Eosinofílica (GE), a Gastroenterite  Eosinofílica (GEo) e a Colite Eosinofílica (CEo) são transtornos gastrointestinais raros, imunologicamente mediados, associados à presença de uma carga aumentada  de eosinofilia tissular específica, aspectos clínicos próprios, e ausência de outras condições clínicas associadas à eosinofilia. Até não mais do que 2 décadas atrás, as DGE não eram condições clínicas reconhecidas. O aumento na incidência e prevalência da EEo ao longo dessas duas décadas tem sido bem documentada e a prevalência atual estima-se ser de aproximadamente de 50 a 100 casos/100.000. Por outro lado, as demais enfermidades de DGE apresentam uma incidência bastante mais baixa com as seguintes estimativas: GE 6,3/100mil; GEo 5,1 /100mil; CEo 2,1 a 3,3/100mil.

MÉTODOS

O objetivo deste estudo foi elaborar um questionário a partir da criação de um Consórcio Internacional de experts na área, entre 2015-2018, para descrever e comparar os sintomas e as comorbidades relatadas pelos pacientes, de acordo com o tipo específico de cada DGE.

 RESULTADOS 

Características demográficas dos participantes pelo tipo de Enfermidade Gastrointestinal Eosinofílica

Dentre os 1.400 pacientes incluídos no registro do Consórcio, 52% (N=725) aceitaram responder o questionário. A maioria relatou o diagnóstico de EEo exclusiva, a saber n=525 versus n=210 portadores de GE, GEo e CEo, com ou sem concomitância da EEo. Diferenças significativas por sexo foram observadas, sendo 57% do sexo masculino para EEo versus 45% para as demais doenças. A idade média por ocasião do levantamento mostrou-se mais baixa entre os pacientes com EEo exclusiva versus para aqueles pacientes com as outras enfermidades (Tabela 1).

Sintomas gastrointestinais e comorbidades de acordo com os tipos de DGE.

De uma maneira geral, os pacientes relataram os seguintes sintomas mais frequentes, a saber: náusea, dor no abdômen superior e inferior, flatulência, constipação e diarreia. Náusea e dor no abdômen superior constituíram-se nos sintomas mais frequentemente observados correspondendo a um total 21% e 23%, respectivamente. Além disso, considerando-se todos os sintomas relatados, a frequência dos sintomas foi mais elevada entre aqueles que apresentavam GE, GEo, CEo em comparação com os pacientes com EEo exclusiva. Deficiências vitamínicas também foram comumente relatadas entre aqueles pacientes com GE, GEo e CEo, sendo que 49,7% dos participantes apresentavam alguma deficiência vitamínica em comparação com 28% daqueles que apresentavam EEo exclusiva. Diagnóstico de gastroparesia concomitante foi também mais comumente relatado entre os pacientes com GE, GEo, CEo, correspondendo a 27,3% dos participantes versus 13,4%  em relação a aqueles com EEo exclusiva.       

Sintomas extra intestinais, comorbidades e agravo psicossocial

A frequência diária de sintomas extraintestinais foi relatada pelos pacientes que apresentavam EEo exclusiva, e, também, para aqueles com GE, GEo e CEo; por exemplo, um a cada três participantes (33%) relatou sensações diárias de fadiga. Sentimentos diários de isolamento foram relatados em 30% dos participantes. Aqueles pacientes com DGE excluindo a EEo, geralmente relataram com maior frequência sintomas extra intestinais, comorbidades e agravo psicossocial.

Análise secundária dos sentimentos de isolamento.

Dentre os pacientes adultos com EEo exclusiva ocorreu uma proporção significativamente maior com sentimento de isolamento diário e semanal, quando tratados com uma dieta de eliminação específica em comparação com aqueles que apresentavam uma menor frequência da sensação de isolamento (80,6% versus 59,5%; p<0.01). O questionário apresentado pelo Consórcio Internacional teve como respostas, nos pacientes com EEo que foram submetidos à terapia com dieta elementar, um aumento na frequência da sensação de isolamento diário e semanal (Tabela 4). Com relação aos participantes portadores de GE, GEo e CEo, o aumento na frequência da sensação de isolamento somente esteve associado com o uso do inibidor da bomba de próton, e, este fato, foi verificado somente em pacientes adultos.  


DISCUSSÃO

Uma alta proporção de pacientes com DGE relataou a existência de comorbidades e, também, uma elevada frequência de sintomas extra intestinais. Há uma diferença significativa de sintomas e comorbidades entre aqueles pacientes com EEo exclusiva versus os outros grupos com sintomas mais intensos e a existência mais elevada de comorbidades. Além disso, a alta frequência da ocorrência concomitante de comorbidades tem sido relatada na literatura, particularmente para as condições atópicas, bem como para enfermidades autoimunes e do tecido conetivo. O presente estudo revela que há uma associação entre a abordagem terapêutica e a sensação de isolamento, o que sugere que a escolha do tratamento pode contribuir para o aumento da sensação de isolamento. Tudo indica, pela evidência obtida dos pacientes com outras enfermidades atópicas, que restrições dietéticas podem ter implicações psicossociais, particularmente entre os adolescentes. As restrições dietéticas também podem ter impactações no bem estar psicossocial dos pais.

Novas abordagens terapêuticas que não requeiram dietas altamente restritivas, poderiam potencialmente auxiliar para mitigar a percepção do dano psicossocial da doença sobre o paciente. Abordagens holísticas e a utilização de recursos adicionais ao paciente devem ser necessárias para direcionar possíveis fatores psicossociais que venham a se apresentar durante o curso do tratamento da enfermidade. A identificação de possíveis fatores de resiliência ou fatores protetores, poderiam fornecer um discernimento no qual os pacientes possam estar a um risco mais elevado de desfechos psicossociais adversos. Finalmente, os resultados deste estudo demonstram a necessidade de pesquisas mais aprofundadas para mitigar o agravo sobre os pacientes decorrentes destas enfermidades.

 MEUS COMENTÁRIOS

Este artigo, até onde meus conhecimentos alcançam, traz uma contribuição inédita, porque aborda um aspecto de elevada importância que vai além das manifestações clínicas orgânicas clássicas, ou seja, também se dedica a abordar os aspectos dos agravos psico-sociais dos pacientes. É do conhecimento geral que as doenças crônicas, de alguma forma, geralmente afetam o comportamento emocional das pessoas, porém, nem sempre é dada a sua ênfase necessária. No caso das enfermidades gastrointestinais eosinofílicas este aspecto torna-se ainda mais relevante, posto que estamos lidando com situações que não são passíveis de cura, somente controle, e mesmo assim por tempos intermitentes. Diante desta situação que se apresenta para o paciente e para o clínico, o presente artigo evidencia claramente que além da atenção medicamentosa obrigatória também deve-se ter, de forma imperiosa, a mesma preocupação para com a saúde mental dos nossos pacientes. 

 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1)   Jensen E.T e cols. JPGN 2020; 71:524-529.

2)   Aceves S. e cols. J Allergy Clin Immunol 2020; 145:28-37.

3)   Pesek RD. e cols. J Am Gastroenterology 2019;114;984-94.

4)   Dellon Es. E cols. Gastroenterology 2018;154:319-23.     

Nenhum comentário: