Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto
A
revista JPGN de outubro de 2020, publicou um importante artigo de
autoria de Jensen E. T. e cols., intitulado “High Patient Disease
Burden in a Cross-sectional, Multicenter Contact Registry Study of Eosinophilic
Gastrointestinal Diseases” que a seguir passo a abordar em seus aspectos de
maior relevância.
INTRODUÇÃO
As
Doenças Gastrointestinais Eosinofílicas (DGE) que incluem a Esofagite Eosinofílica
(EEo), Gastrite Eosinofílica (GE), a Gastroenterite Eosinofílica (GEo) e a Colite Eosinofílica
(CEo) são transtornos gastrointestinais raros, imunologicamente mediados,
associados à presença de uma carga aumentada
de eosinofilia tissular específica, aspectos clínicos próprios, e
ausência de outras condições clínicas associadas à eosinofilia. Até não mais do
que 2 décadas atrás, as DGE não eram condições clínicas reconhecidas. O aumento
na incidência e prevalência da EEo ao longo dessas duas décadas tem sido bem
documentada e a prevalência atual estima-se ser de aproximadamente de 50 a 100
casos/100.000. Por outro lado, as demais enfermidades de DGE apresentam uma
incidência bastante mais baixa com as seguintes estimativas: GE 6,3/100mil; GEo
5,1 /100mil; CEo 2,1 a 3,3/100mil.
MÉTODOS
O
objetivo deste estudo foi elaborar um questionário a partir da criação de um Consórcio
Internacional de experts na área, entre 2015-2018, para descrever e comparar os
sintomas e as comorbidades relatadas pelos pacientes, de acordo com o tipo específico
de cada DGE.
Características
demográficas dos participantes pelo tipo de Enfermidade Gastrointestinal
Eosinofílica
Dentre
os 1.400 pacientes incluídos no registro do Consórcio, 52% (N=725) aceitaram
responder o questionário. A maioria relatou o diagnóstico de EEo exclusiva, a
saber n=525 versus n=210 portadores de GE, GEo e CEo, com ou sem concomitância da
EEo. Diferenças significativas por sexo foram observadas, sendo 57% do sexo masculino
para EEo versus 45% para as demais doenças. A idade média por ocasião do
levantamento mostrou-se mais baixa entre os pacientes com EEo exclusiva versus para
aqueles pacientes com as outras enfermidades (Tabela 1).
De
uma maneira geral, os pacientes relataram os seguintes sintomas mais
frequentes, a saber: náusea, dor no abdômen superior e inferior, flatulência,
constipação e diarreia. Náusea e dor no abdômen superior constituíram-se nos
sintomas mais frequentemente observados correspondendo a um total 21% e 23%,
respectivamente. Além disso, considerando-se todos os sintomas relatados, a
frequência dos sintomas foi mais elevada entre aqueles que apresentavam GE,
GEo, CEo em comparação com os pacientes com EEo exclusiva. Deficiências vitamínicas
também foram comumente relatadas entre aqueles pacientes com GE, GEo e CEo,
sendo que 49,7% dos participantes apresentavam alguma deficiência vitamínica em
comparação com 28% daqueles que apresentavam EEo exclusiva. Diagnóstico de gastroparesia
concomitante foi também mais comumente relatado entre os pacientes com GE, GEo,
CEo, correspondendo a 27,3% dos participantes versus 13,4% em relação a aqueles com EEo exclusiva.
Sintomas extra
intestinais, comorbidades e agravo psicossocial
A
frequência diária de sintomas extraintestinais foi relatada pelos pacientes que
apresentavam EEo exclusiva, e, também, para aqueles com GE, GEo e CEo; por
exemplo, um a cada três participantes (33%) relatou sensações diárias de
fadiga. Sentimentos diários de isolamento foram relatados em 30% dos
participantes. Aqueles pacientes com DGE excluindo a EEo, geralmente relataram
com maior frequência sintomas extra intestinais, comorbidades e agravo
psicossocial.
Análise
secundária dos sentimentos de isolamento.
Dentre
os pacientes adultos com EEo exclusiva ocorreu uma proporção significativamente
maior com sentimento de isolamento diário e semanal, quando tratados com uma
dieta de eliminação específica em comparação com aqueles que apresentavam uma
menor frequência da sensação de isolamento (80,6% versus 59,5%; p<0.01). O
questionário apresentado pelo Consórcio Internacional teve como respostas, nos
pacientes com EEo que foram submetidos à terapia com dieta elementar, um
aumento na frequência da sensação de isolamento diário e semanal (Tabela 4).
Com relação aos participantes portadores de GE, GEo e CEo, o aumento na
frequência da sensação de isolamento somente esteve associado com o uso do
inibidor da bomba de próton, e, este fato, foi verificado somente em pacientes
adultos.
DISCUSSÃO
Uma alta
proporção de pacientes com DGE relataou a existência de comorbidades e, também,
uma elevada frequência de sintomas extra intestinais. Há uma diferença
significativa de sintomas e comorbidades entre aqueles pacientes com EEo
exclusiva versus os outros grupos com sintomas mais intensos e a existência
mais elevada de comorbidades. Além disso, a alta frequência da ocorrência
concomitante de comorbidades tem sido relatada na literatura, particularmente
para as condições atópicas, bem como para enfermidades autoimunes e do tecido
conetivo. O presente estudo revela que há uma associação entre a abordagem
terapêutica e a sensação de isolamento, o que sugere que a escolha do
tratamento pode contribuir para o aumento da sensação de isolamento. Tudo
indica, pela evidência obtida dos pacientes com outras enfermidades atópicas,
que restrições dietéticas podem ter implicações psicossociais, particularmente
entre os adolescentes. As restrições dietéticas também podem ter impactações no
bem estar psicossocial dos pais.
Novas
abordagens terapêuticas que não requeiram dietas altamente restritivas,
poderiam potencialmente auxiliar para mitigar a percepção do dano psicossocial
da doença sobre o paciente. Abordagens holísticas e a utilização de recursos
adicionais ao paciente devem ser necessárias para direcionar possíveis fatores
psicossociais que venham a se apresentar durante o curso do tratamento da
enfermidade. A identificação de possíveis fatores de resiliência ou fatores
protetores, poderiam fornecer um discernimento no qual os pacientes possam
estar a um risco mais elevado de desfechos psicossociais adversos. Finalmente,
os resultados deste estudo demonstram a necessidade de pesquisas mais
aprofundadas para mitigar o agravo sobre os pacientes decorrentes destas
enfermidades.
Este
artigo, até onde meus conhecimentos alcançam, traz uma contribuição inédita,
porque aborda um aspecto de elevada importância que vai além das manifestações
clínicas orgânicas clássicas, ou seja, também se dedica a abordar os aspectos
dos agravos psico-sociais dos pacientes. É do conhecimento geral que as doenças
crônicas, de alguma forma, geralmente afetam o comportamento emocional das
pessoas, porém, nem sempre é dada a sua ênfase necessária. No caso das
enfermidades gastrointestinais eosinofílicas este aspecto torna-se ainda mais
relevante, posto que estamos lidando com situações que não são passíveis de
cura, somente controle, e mesmo assim por tempos intermitentes. Diante desta
situação que se apresenta para o paciente e para o clínico, o presente artigo evidencia
claramente que além da atenção medicamentosa obrigatória também deve-se ter, de
forma imperiosa, a mesma preocupação para com a saúde mental dos nossos pacientes.
1) Jensen E.T e cols. JPGN 2020; 71:524-529.
2) Aceves S. e cols. J Allergy Clin Immunol 2020; 145:28-37.
3) Pesek RD. e cols. J Am Gastroenterology 2019;114;984-94.
4) Dellon Es. E cols. Gastroenterology 2018;154:319-23.
Nenhum comentário:
Postar um comentário