segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Esofagite Eosinofílica: manejo dietético e nutricional (Resumo do Work Report of the American Academy of Alergy, Asthma and Immunology) (parte 2)

J Allergy Clin Immunol Pract 2017;5:312-24

Ulysses Fagundes Neto

Implementação da terapia da dieta de eliminação

Passo #1: Avaliação do estado nutricional

É de suma importância rastrear os potenciais riscos nutricionais antes de se iniciar a implementação da prescrição dietética. Por esta razão, a avaliação inicial do profissional da saúde deve, portanto, incluir a obtenção e a interpretação dos dados das medidas antropométricas prévias, incluindo a análise da curva de crescimento e do peso, utilizando-se uma tabela de referência confiável (Gráficos de crescimento e peso da OMS para lactentes, crianças pré-escolares, escolares e adolescentes), história dietética, história médica prévia, exame clínico detalhado, e, quando necessário a realização de exames laboratoriais.

Passo #2: Eliminação dos antígenos alimentares

A leitura dos rótulos dos produtos alimentares industrializados é de fundamental importância para garantir a efetiva eliminação da dieta dos alimentos considerados alergenos.

Nos Estados Unidos, os principais alimentos considerados alergênicos que devem fazer parte inicialmente da dieta de eliminação empírica são: leite animal, soja, trigo, ovo, peixe e frutos do mar, frutas oleaginosas e amendoim. Por outro lado, na Europa, além destes alimentos devem ser acrescentados os seguintes: tremoço, aipo, sésamo e mostarda.

Muito embora ainda não tenham sido determinados os níveis limiares de exposição aos alergenos que possam vir a desencadear a EEo, os pacientes devem ter o conhecimento do risco potencial de exposição a certos alergenos por contato cruzado no ambiente doméstico ou quando fazem as refeições em ambiente externo. O uso de utensílios compartilhados, condimentos, superfícies cortantes, equipamentos de cozinha ou aparelhos de cozinha podem ser fatores involuntários de exposição a fontes de alergenos, bem como as áreas de serviço dos alimentos devido aos riscos de que venham a respingar nos alimentos da dieta.

Outro aspecto de importância na alimentação diz respeito a garantia de que os alimentos que venham a ser substituídos o sejam por outros que preencham as necessidades nutricionais dos pacientes sem provocar quaisquer prejuízos indesejáveis (Tabela 3).
 
Tabela 3 - Nutrientes em alimentos comumente eliminados  durante a terapia de eliminação dietética.

Passo #3: Individualizar o cardápio para atender as necessidades nutricionais na dieta de eliminação

O planejamento da adequação nutricional com os alimentos da dieta de eliminação deve ser o principal objetivo de aconselhamento alimentar o qual deve ser alcançado por meio da incorporação de quantidades suficientes dos alimentos substitutos (Tabela 2). Todo alimento fornece um grupo específico de nutrientes (Tabela 3), e, quando estes são eliminados da dieta devem ser substituídos por alimentos nutricionalmente enriquecidos. Desde que bem tolerados alimentos enriquecidos, tais como, carnes, grãos integrais e/ou cereais fortificados no desjejum, vegetais verdes/amarelos e sementes podem ser acrescidos na dieta para reforçar a ingestão de nutrientes. Os requerimentos nutricionais de cada paciente devem ser determinados e devem ser direcionados para alcançar um equilíbrio nutricional apropriado, incluindo neste caso o estímulo para que seja ingerida uma extensa variedade de alimentos (Tabelas 4 e 5).

Tabela 4- Tipo e volume dos alimentos incluidos na dieta das crianças.

Tabela 5-Tipo e volume dos alimentos incluidos na dieta dos adultos. 

A reintrodução dos alimentos: a vida depois da dieta de eliminação inicial

No caso da utilização da terapia da dieta de eliminação comprovar-se exitosa, ou seja, resultar em remissão clínica e histológica da EEo, é aconselhável optar-se pela reintrodução sequencial dos alimentos, um de cada vez, quando aqueles alimentos eliminados forem acrescentados novamente à dieta do paciente. É recomendável nesta reintrodução adicionar um alimento ou grupo de alimentos de cada vez mantendo uma constante vigilância para detectar uma possível ocorrência do surgimento de sintomas de recidiva. O objetivo maior desta reintrodução sequencial de alimentos reside na possibilidade de determinar qual ou quais alimentos são os verdadeiros deflagradores da EEo. Embora, como até o presente momento as recomendações de reintrodução dos alimentos ainda não tenham sido padronizadas, deve ser considerada a possibilidade da realização de biópsias esofágicas seriadas após cada reintrodução como parte do manejo dos pacientes com EEo, posto que o surgimento dos sintomas isoladamente ou a realização da endoscopia sem a obtenção da biópsia não podem ser consideradas como uma medida acurada da atividade da enfermidade. O procedimento acima mencionado permite identificar com maior grau de certeza o alimento ou alimentos desencadeadores da EEo e, por isso, possibilita a manutenção na dieta outros alimentos não ofensores e elimina apenas aqueles que provaram ser os desencadeadores, o que provê potencialmente um melhor desfecho nutricional.

Baseados em estudos retrospectivos é reconhecido que leite, ovo, trigo, e soja são os alimentos mais provavelmente responsabilizados pela deflagração da recidiva da EEo, e, portanto, deve-se considerar que a reintrodução destes alimentos se dê em estágios mais tardios dos ensaios dietéticos. No caso do surgimento de recidiva, quando for possível identificar o agente provocador da mesma, o alimento causador do problema deve ser retirado da dieta por um tempo prolongado ou mesmo definitivamente.

Vale a pena enfatizar que embora a realização de biópsias seriadas do esôfago seja o único caminho para se ter a certeza que um determinado alimento é ou não o deflagrador da EEo, na maioria das vezes este tipo de intervenção não é possível ser executada na prática médica diária ou mesmo pode não ser desejável. No presente momento, nos casos em que as endoscopias não possam ser rotineiramente realizadas a única ferramenta validada para avaliar a resposta ao tratamento clínico é a Pediatric Eosinophilic Esophagitis Symptom Score versão 2.0 (J Allergy Clin Immunol 2015;135:1519-28.e8). Este questionário obtém de forma efetiva os sintomas relatados pelos pais das crianças com idades que variam de 2 a 18 anos.

Conclusões

A terapia dietética de eliminação tem sido demonstrada eficiente para induzir a remissão da enfermidade na maioria dos pacientes com EEo. Ela também oferece uma potencial efetividade para o tratamento da EEo a longo prazo. Entretanto, dietas de eliminação não são isentas de risco e podem ter um impacto negativo sobre o estado nutricional, o prazer pela comida e o bem-estar geral do paciente e sua qualidade de vida. Seguindo-se uma orientação adequada e uma monitoração vigilante, os potenciais impactos negativos serão minimizados de tal forma que os pacientes poderão se beneficiar desta opção sem a necessidade de auxílio medicamentoso.

Nota de Ulysses Fagundes Neto: na minha experiência clínica tratando pacientes com EEo das mais variadas idades, desde pré-escolares até mesmo idosos, tenho sempre optado como tratamento inicial a associação da terapia de eliminação dos 6 alimentos associada ao uso de uma droga inibidora da bomba de próton e budesonida por pelo menos 3 meses. Devo afirmar que tenho obtido remissão total, clínica e histológica, em 100% dos casos, e, a partir desta etapa passo a diminuir a dose da budesonida até a sua eliminação completa, e, ao mesmo tempo proponho o início gradual e sequencial da reintrodução dos alimentos retirados da dieta.