quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Intolerância à Lactose: História, Genética, Ciência e Prática Clínica (1)

 Introdução
O leite é um produto especifico e exclusivo da secreção das glândulas mamárias (Figuras 1 e 2).


CI- Tecido conjuntivo;

PS- Porções secretoras;
DE- ducto excretor.

Trata-se da principal fonte alimentar da dieta dos mamíferos durante o período de aleitamento, e, por essa razão, sempre atraiu o interesse dos profissionais da saúde, da indústria alimentícia e das mães. É um alimento reconhecidamente de grande valor nutricional em cuja composição estão presentes os principais macronutrientes: proteínas, gorduras e carboidratos. A utilização do leite como parte constituinte da alimentação após o período de amamentação data aproximadamente de 6.000 anos e, portanto, os estudos sobre o leite trazem informações desde remotas eras. Além de fornecer energia e matéria plástica, bem como outros micronutrientes, o leite e seus derivados, também são importantes fontes de cálcio, potássio, fósforo, riboflavina, magnésio, zinco e vitaminas lipo e hidrossolúveis, razões pelas quais sua inclusão na dieta habitual das crianças, adolescentes e adultos está relacionada à prevenção da osteoporose e da hipertensão arterial.

A Lactose é o principal carboidrato do leite, e, como tal lhe confere um sabor levemente adocicado. Trata-se da maior fonte de carboidratos dos lactentes e em especial naquelas sociedades tradicionais, principalmente as denominadas de “cultura primitiva”, nas quais o período de amamentação é exclusivo e prolongado, a Lactose se constitui praticamente na única fonte de carboidrato na dieta do lactente até o início do desmame. A Lactose somente é encontrada na natureza como produto específico da secreção da glândula mamária e desde o ponto de vista evolutivo possui 100.000.000 de anos. A Lactose foi descoberta em 1633 por Bartoletus, em Bolonha, mas sua síntese química somente foi obtida em 1927, por Haworth e cols., nos Estados Unidos.
O presente trabalho de revisão tem por objetivo abordar a história da utilização da Lactose na dieta, os mais diversos aspectos genéticos da produção da Lactase, os diferentes tipos da sua deficiência, bem como a prevalência, as manifestações clínicas, os critérios diagnósticos, o tratamento e as implicações nutricionais da má absorção e/ou intolerância à Lactose.

Fisiologia da Lactose: composição e digestão

A Lactose, Saccharum lactis, é um dissacarídeo (beta-galactosil-1,4-glicose) constituído pelos monossacarídeos glicose (alfa-d-glicose) e galactose (beta-d-glicose), e, para ser sintetizada, requer a participação de duas proteínas: galactosil tranferase e α-lactoalbumina (Figura 3).


 A concentração de Lactose no leite dos mamíferos apresenta uma considerável variabilidade entre as diferentes espécies, e mantém uma relação inversamente proporcional com as concentrações das proteínas e gorduras. A maior concentração da Lactose é verificada no leite humano (7g/100ml), enquanto que nos outros mamíferos dos quais se ordenha o leite para consumo humano (vaca, ovelha e cabra) a concentração da Lactose encontra-se ao redor de 5g/100ml (Tabela 1).

A Foca, Zalphus californianos, constitui uma exceção entre os mamíferos, posto que seu leite não possui Lactose e nenhum  outro carboidrato, e a glicose encontrada no sangue dos filhotes durante o período da amamentação é derivada primariamente do glicerol da gordura do leite da foca (Figura 4).

A Lactose por ser um dissacarídeo, possui uma estrutura química complexa e, portanto, não pode ser absorvida em seu estado natural. Por esta razão, necessita ser desdobrada em seus monossacarídeos constituintes, glicose e galactose. Estes monossacarídeos são absorvidos por transporte ativo através dos enterócitos para a corrente sanguínea (Figura 5).

A digestão da Lactose é executada por uma enzima específica denominada Lactase (β-galactosidase), a qual se encontra nas microvilosidades dos enterócitos (Figuras 6 e 7).



A digestão desse carboidrato ocorre em todo intestino delgado, no entanto, a atividade da Lactase é intensa no jejuno proximal, pequena no duodeno e jejuno distal e praticamente ausente no íleo terminal.  A absorção dos subprodutos da Lactose (glicose e galactose) ocorre em diferentes velocidades. O fator determinante da velocidade máxima de digestão depende da quantidade de Lactase presente na mucosa intestinal. Os monossacarídeos resultantes da hidrólise da Lactose passam através da mucosa e são transportados de maneira ativa até a corrente sanguínea sendo sódio-dependentes para o seu transporte. Quando estão na corrente sanguínea, seguem pela veia porta até o fígado, onde são metabolizados. 

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