Histórico
No
passado, praticamente até meados do século XX, nas mais diversas formas
de sociedades e culturas existentes (Figuras 6 – 7 e 8), salvo
raríssimas exceções, as crianças eram rotineiramente amamentadas ao seio
materno de forma exclusiva e por tempo prolongado.
Figura 6- Lactente de sociedade dita de "cultura primitiva" mamando com total naturalidade.
Figura
7- Lactente da sociedade dita "moderna" que recebeu aleitamento natural
exclusivo por tempo prolongado, seguindo, assim, um hábito cultural
tradicional.
Figura
8 - Lactente pertencente à família moradora da favela Cidade Leonor
cuja mãe se incorporou ao programa de promoção do aleitamento natural
exclusivo e venceu mitos e tabus negativos em relação ao aleitamento
natural.
Entretanto,
como é do conhecimento geral, as mudanças ocasionadas pelo
desenvolvimento tecnológico industrial, em meados do século XIX e
definitivamente consolidadas no século XX, entre as sociedades ditas
“modernas”, nas quais as mulheres passaram a ocupar um espaço
significativo no mercado de trabalho, associadas ao amplo e contínuo
desenvolvimento da indústria de alimentos, levaram, em consequência, a
uma drástica redução da prática do aleitamento materno. Outros tipos de
leite, distintos do materno, foram sendo, então, progressivamente
introduzidos em idades cada vez mais precoces na alimentação dos
lactentes; a partir dessa mudança de hábitos e costumes começaram a
aflorar os problemas dessa nova prática nutricional e, assim, passaram a
surgir as Alergias Alimentares em escala cada vez mais crescente.
Vale
a pena lembrar que os efeitos adversos dos alimentos são reconhecidos
desde épocas imemoriais. Hipócrates já havia observado, há 2.000 anos,
que a ingestão de leite de vaca pode provocar problemas
gastrointestinais e urticária, mas hipersensibilidade aos alimentos foi
poucas vezes descrita até que Von Pirquet, em 1906, introduziu o
conceito de Alergia. O primeiro caso de APLV
foi descrito na literatura médica da Alemanha, em 1901, nos EUA a
primeira referência ao problema data de 1916, enquanto que na Inglaterra
verifica-se apenas uma descrição de APLV antes de 1958 (15-16).
Na
busca de substitutos do leite de vaca, para o tratamento de crianças
com sintomas de alergia, passaram a ser desenvolvidas fórmulas
preparadas industrialmente a partir da proteína vegetal da soja,
introduzidas em 1929, ainda que tais preparações já fossem conhecidas e
utilizadas desde 1909, porém em pequena escala. Posteriormente, já na
década de 1940, surgiram os preparados de hidrolisados da caseína e do
soro leite como alternativa no tratamento das alergias alimentares
múltiplas. Mais recentemente, no fim do século XX, passaram a ser
elaboradas as fórmulas à base de mistura de aminoácidos, as quais são
praticamente desprovidas de quaisquer estímulos antigênicos. Elas são
indicadas naqueles casos de comprovada intolerância aos hidrolisados
protéicos extensivamente hidrolisados.
Genética associada ao meio ambiente: fatores que contribuem para o surgimento da Alergia Alimentar
Atualmente,
está bem estabelecido que há uma significativa contribuição genética
para o surgimento de alergia e, mais ainda, que inúmeros genes tem sido
identificados como responsáveis pelo aparecimento tanto de eczema quanto
de asma. Mutações genéticas têm sido descritas em até 27% dos pacientes
portadores de eczema grave e estas parecem conferir fatores de risco
para a persistência da doença, sensibilização para alergias múltiplas, e
aparecimento de asma associada ao eczema. A descoberta dessas mutações
genéticas demonstra de forma inequívoca a importância do papel da
ruptura da barreira de defesa da pele como fator primordial na
patogênese do eczema e na sensibilização alérgica (17).
É
interessante assinalar que, no caso dos pacientes portadores de eczema
grave, foram encontrados auto-anticorpos circulantes dirigidos contra
determinadas proteínas celulares. Este fato levou à especulação de que
aquilo que se iniciou como um processo essencialmente alérgico sofreu
uma evolução para tornar-se uma enfermidade auto-imune. Daí a
necessidade de se programar ações efetivas para prevenir a evolução da
doença para a cronicidade.
A “Marcha da Alergia” nos lactentes de alto risco
Como já foi anteriormente referido APLV
tende a apresentar remissão espontânea, mas geralmente vem a ser
substituída por outra manifestação de alergia. O surgimento de eczema é
frequentemente visto como o prenúncio de que ocorreu a sensibilização do
organismo por algum alergeno alimentar, com aumento dos níveis de IgE
especificamente para um determinado alimento, cujos picos séricos se
mantém dentro dos primeiros 2 anos de vida. Este cortejo sintomático é
seguido por um incremento da sensibilização por alergenos inalatórios,
os quais, por sua vez, acarretam uma correspondente elevação na
incidência de asma e rinite. Eczema atópico é geralmente a primeira
manifestação da doença alérgica, sendo que cerca de metade de todos os
lactentes que sofrem de eczema acabam por apresentar asma, enquanto que
2/3 deles desenvolvem rinite alérgica nos anos subseqüentes. Esta
associação de eventos patológicos é frequentemente referida como a “Marcha da Alergia” (18).
A
sensibilização por alergenos inalatórios e alimentares é bastante comum
no caso de surgimento de eczema atópico. Há uma clara evidencia de que a
ocorrência de sensibilização atópica em lactentes portadores de eczema
representa um marcador da intensidade da doença. A sensibilização
provocada por alimentos e agentes inalatórios está associada ao
aparecimento de eczemas mais graves, aumento do risco para a
persistência da doença além dos 7 anos de vida, e também, risco maior
para o surgimento de alergia das vias respiratórias.
Estudos
realizados na década de 1980, utilizando testes de provocação, tipo
duplo cego, com alimentos controlados e placebo, já comprovavam que 30 a
56% das crianças portadoras de eczema moderado ou grave apresentavam AA.
A eliminação da dieta destes alergenos alimentares acarretava
significativa regressão da lesão atópica. É necessário evitar a ingestão
do alimento alergênico, posto que mesmo mínimas quantidades do antígeno
alimentar são capazes de induzir a síntese de IgE
específica, e, portanto, levar à liberação de histamina desde os
basófilos, a qual por sua vez determina a deflagração dos sintomas de Alergia (19).
O
acompanhamento rotineiro dos pacientes e a conseqüente realização de
testes de provocação constituem importante estratégia de atuação, posto
que a história natural da doença, para a vasta maioria dos pacientes, é a
aquisição de tolerância em relação aos alergenos, ao longo dos tempos.
Referências Bibliográficas
15. Johansson, S.G. e cols., Allergy 2001; 56: 813-24.
16. Werfel, T. e cols., Allergy 2007; 62: 723-28.17. Illi, S. e cols., J Allergy Clin Immunol 2004; 113: 925-31.
18. Uguz, A. e cols., Clin Exp Allergy 2005; 35: 746-50.
19. Bindslev-Jensen, C. e cols., Allergy 2004; 59: 690-97.