Os acontecimentos
políticos que afetaram a vida do país e da população, inclusive a minha pessoal
e profissional
O ano de 1973 reservou grandes
transformações e surpresas que modificaram de forma dramática o modelo político
da Argentina, o que afetou diretamente a vida da população inclusive a minha, profissional
e pessoal. Naquele ano o país teve três Presidentes da República, inicialmente
saiu de uma ditadura militar, em seguida elegeu um novo Presidente da ala
moderada da esquerda peronista e finalmente teve de volta o velho caudilho,
Juan Domingo Perón, já completamente decadente física e mentalmente.
Quando cheguei, em janeiro,
governava o país o general Alejandro Lanusse que havia se comprometido a
entregar a nação de volta à normalidade democrática, e, para tal, foi marcada a
data da eleição para a presidência da república, a qual foi vencida pelo
dentista Hector Campora, um tradicional e fiel peronista da ala moderada da
esquerda, mas que imediatamente se tornou refém dos radicais de esquerda, em
especial do grupo denominado os Montoneros. Assim que Campora assumiu o governo,
em maio de 1973, os Montoneros desencadearam uma série de invasões em
propriedades públicas destituindo diretorias em nome do povo e de uma pretensa
revolução de libertação do jugo militar. Isto também ocorreu no Posadas, e toda
a direção foi sumariamente demitida em uma assembléia geral convocada de última
hora, na qual todos os funcionários do hospital tinham direito isonômico a voz e voto. Esta convocação incluía desde os
trabalhadores de apoio até os profissionais da saúde, inclusive eu, que aparentemente
não tinha nada que ver com os acontecimentos, e que ainda, além do mais, era estrangeiro
e temporário no país. Foi uma reunião extremamente tensa e interminável,
assustadora mesmo, porque em determinado momento parecia que iria descambar
para uma pancadaria generalizada, tão intensamente alterados estavam os ânimos
entre os participantes que se digladiavam verbalmente, com violência e insultos
recíprocos. Finalmente, o Diretor Superintendente foi destituído por meio de
uma votação, praticamente simbólica, totalmente manipulada pelos Montoneros, que
dirigiam a sessão. Quando a reunião terminou conversei com Dr. Toccalino que
externou todo seu desânimo quanto ao destino futuro, pelo menos em breve prazo,
do hospital; a sensação por ele transmitida era de que uma catástrofe havia se
abatido sobre a instituição, e, tudo aquilo que poderia vir a acontecer de
pior, corria-se o risco de ocorrer daí em diante. Isto me afetou profundamente,
fiquei tremendamente preocupado com a minha vida e a da minha família, afinal
de contas eu tinha uma enorme responsabilidade com o bem estar dos meus entes
queridos e também um compromisso moral de realizar a especialização. Estava no
meio do caminho, havia aprendido muita coisa, porém havia muito mais
conhecimento a ser incorporado, ainda mais em um momento extremamente
florescente da minha formação. A angustia que em mim se abateu foi intensa, não
tinha a menor idéia de como nem quando essa desordem iria terminar. De fato,
durante as duas semanas seguintes pouco se fez em matéria de trabalho, éramos
sistematicamente convocados para assembléias gerais para discutirmos os
destinos do hospital, reuniões tensas, intermináveis e sem quaisquer soluções
práticas. Felizmente, dia após dia as coisas foram se acalmando, os Montoneros
se retiraram do hospital, e a vida foi paulatinamente voltando à rotina
anterior, como registrei em meu diário:
“Parece mentira, mas já se
passaram 5 meses da minha especialização e fazendo um balanço das coisas penso
que o saldo tem sido bastante positivo apesar de todas as intercorrências
políticas que praticamente paralisaram o serviço durante uns quinze dias,
somando-se ainda a greve dos Residentes que, por falta de pagamento dos seus
salários, paralisaram suas atividades durante dez dias. Eu, em solidariedade,
os acompanhei e deixei de cumprir com as minhas atividades assistenciais
rotineiras. Agora, felizmente, tudo já voltou ao normal.
Do ponto de vista das minhas
atividades assistenciais tenho aproveitado bastante, visto uma série grande de
doenças com as quais ainda não havia tido experiência prévia, tais como
hepatite tóxica, hepatite crônica, pólipo juvenil, cavernomatose da veia porta
com hipertensão portal (Figura 1),
Figura 1- Da esquerda para a direita Dr. Mairon Lima, médico brasileiro, radicado em Brasília, que chegou no segundo semestre para realizar a especialização, Dra. Sonia Malowiski, residente de terceiro ano do Posadas, Dr. Ricardo Licastro, médico senior e Chefe da Hepatologia, e a paciente AC, natural de Tucuman, portadora de cavernomatose da porta. Foi minha paciente durante o tempo em que esteve internada, fui seu padrinho de crisma juntamente com Sonia. Apresentava hematêmese devido a presença de varizes esofágicas, e, na época, foi submetida a uma cirurgia bastante delicada, uma derivação porto-esplênica; sobreviveu, voltou para Tucuman, e em 1998, quando lá estive para dar palestras em um Congresso Médico, ela veio me visitar no hotel, já tinha mais de trinta anos, totalmente assintomática, e trazia consigo sua filhinha, foi um momento de enorme emoção, nunca mais eu tinha tido conhecimento da sua evolução. Mairon voltou a Brasília e lá montou o serviço de Gastropediatria no hospital de Base, nos tornamos amigos íntimos, amizade que perdura até os dias atuais. Sonia se casou com "Chango" Córdoba e foi com êle viver em La Pampa. Licastro depois de alguns anos abandonou a Medicina para se dedicar a outra atividade profissional.
Figura 1- Da esquerda para a direita Dr. Mairon Lima, médico brasileiro, radicado em Brasília, que chegou no segundo semestre para realizar a especialização, Dra. Sonia Malowiski, residente de terceiro ano do Posadas, Dr. Ricardo Licastro, médico senior e Chefe da Hepatologia, e a paciente AC, natural de Tucuman, portadora de cavernomatose da porta. Foi minha paciente durante o tempo em que esteve internada, fui seu padrinho de crisma juntamente com Sonia. Apresentava hematêmese devido a presença de varizes esofágicas, e, na época, foi submetida a uma cirurgia bastante delicada, uma derivação porto-esplênica; sobreviveu, voltou para Tucuman, e em 1998, quando lá estive para dar palestras em um Congresso Médico, ela veio me visitar no hotel, já tinha mais de trinta anos, totalmente assintomática, e trazia consigo sua filhinha, foi um momento de enorme emoção, nunca mais eu tinha tido conhecimento da sua evolução. Mairon voltou a Brasília e lá montou o serviço de Gastropediatria no hospital de Base, nos tornamos amigos íntimos, amizade que perdura até os dias atuais. Sonia se casou com "Chango" Córdoba e foi com êle viver em La Pampa. Licastro depois de alguns anos abandonou a Medicina para se dedicar a outra atividade profissional.
cirrose, alergia ao leite de vaca
e à soja, intolerância aos carboidratos, várias formas de apresentação da
doença celíaca, inclusive com constipação, glicogenose, divertículo de Meckel,
doença inflamatória intestinal, linfangiectasia intestinal, úlcera duodenal,
estenose hipertrófica do piloro, afora aquelas comumente vistas no nosso meio,
tais como, diarréia aguda e diarréia prolongada. Inclusive no que diz respeito
à doença celíaca vale a pena frisar a espetacular recuperação clínica e
nutricional que os pacientes apresentam quando são colocados em dieta isenta de
glúten, ou seja, com restrição de trigo, aveia e centeio (Figuras 2-3-4-5).
Figura 2-
Paciente portadora de doença celíaca por ocasião do diagnóstico com grau
intenso de desnutrição.
Figura 3- A mesma paciente vista de perfil.
Figura 3- A mesma paciente vista de perfil.
Figura 4- A
mesma paciente depois de algumas semanas em dieta isenta de gluten. Notar a
espetacular recuperação clínica e nutricional; a distensão abdominal costuma
perdurar por certo tempo em virtude da hipotonia da musculatura abdominal
durante o período de desnutrição.
Figura 5- A mesma paciente em visão frontal.
Figura 5- A mesma paciente em visão frontal.
No tocante à parte de procedimentos
tenho realizado um bom número de biópsias de intestino delgado, em média 2 a 3
por semana (por sinal a primeira que realizei foi no final de março), e
realmente a coisa não é segredo algum. Tenho também realizado
retosigmóidoscopias com biópsia retal uma vez por semana, e já fiz uma biópsia
hepática.
Uma vez por semana faço
ambulatório com Dr. Toccalino, e isto tem sido de grande utilidade prática,
pois além de atender pacientes de consultório também acompanhamos a evolução
dos pacientes que estiveram internados. Uma grande experiência, sem dúvida
alguma!”
Antes, porém, de prosseguir na
descrição das minhas atividades médicas rotineiras é importante assinalar que
quando escrevi há alguns parágrafos acima “tudo
voltou ao normal” foi uma exagerada força de expressão. Isto porque com a
redemocratização do país, a política nacional tornou-se o centro da imensa
maioria das conversas em todos os espaços que se frequentava. Um lugar comum,
naqueles dias, era um manifesto desejo de que o caudilho Perón retornasse à Argentina,
posto que ele vivesse um longo exílio havia 18 anos, em Madri, Espanha. E, de fato, o ansiado retorno ocorreu em março
de 1973. Cerca de 8 milhões de pessoas foram aguardar no aeroporto de Ezeiza a
chegada do carismático líder, denominado pelo seus fanáticos admiradores “o pai dos descamisados”. Seu triunfal
retorno constituiu-se em um delírio generalizado, o país entrou em ebulição.
Foi uma das maiores manifestações públicas que eu já presenciei em toda a minha
vida. Na noite anterior a chegada de Perón caravanas e mais caravanas de grupos
populares tocando seus bumbos e entoando as clássicas canções de exaltação ao
velho líder “PERÓN, PERÓN, QUE GRANDE SOS, EL PRIMER TRABAJADOR...”, chegavam à
estação Retiro vindas das mais distantes cidades do interior do país e
marchavam a pé até o aeroporto de Ezeiza uma estafante caminhada de muitos
quilômetros (Figura 6).
Figura 6- A rota de cerca de 35 km que as caravanas peronistas seguiram caminhando para celebrar a chegada de volta ao país do lider carismático Juan Domingo Perón.
Logo após a volta de Perón a seus saudosos pagos, iniciou-se uma monumental campanha para que Campora renunciasse e novas eleições presidenciais fossem convocadas, o que de fato rapidamente ocorreu. Assim sendo, Campora se viu obrigado a renunciar ao cargo de presidente da república que há pouco havia assumido, foi nomeado embaixador no México, e desta forma abriu caminho para que em nova eleição Perón, mesmo física e mentalmente debilitado, fosse eleito pela terceira vez presidente da República Argentina tendo como vice-presidente sua terceira mulher Isabel de Perón. Perón veio a falecer em julho de 1974, ato seguinte Isabelita tomou posse e permaneceu no poder até março de 1976, quando mais um golpe militar a destituiu da presidência da República dando início a mais uma tenebrosa ditadura que se estendeu até 1983, ceifando a vida de pelo menos 30.000 argentinos.
Figura 6- A rota de cerca de 35 km que as caravanas peronistas seguiram caminhando para celebrar a chegada de volta ao país do lider carismático Juan Domingo Perón.
Logo após a volta de Perón a seus saudosos pagos, iniciou-se uma monumental campanha para que Campora renunciasse e novas eleições presidenciais fossem convocadas, o que de fato rapidamente ocorreu. Assim sendo, Campora se viu obrigado a renunciar ao cargo de presidente da república que há pouco havia assumido, foi nomeado embaixador no México, e desta forma abriu caminho para que em nova eleição Perón, mesmo física e mentalmente debilitado, fosse eleito pela terceira vez presidente da República Argentina tendo como vice-presidente sua terceira mulher Isabel de Perón. Perón veio a falecer em julho de 1974, ato seguinte Isabelita tomou posse e permaneceu no poder até março de 1976, quando mais um golpe militar a destituiu da presidência da República dando início a mais uma tenebrosa ditadura que se estendeu até 1983, ceifando a vida de pelo menos 30.000 argentinos.
Após este breve relato a respeito
dos eventos políticos que transcorreram naquele ano de 1973, e que também
fizeram parte da experiência de vida por mim aprendidas, voltemos ao tema
principal deste texto, ou seja, as atividades médicas. Como se pode depreender
do relato do meu diário feito há alguns parágrafos anteriores, nesta altura dos
acontecimentos os conhecimentos básicos já haviam sido incorporados, mas tudo o
que viria depois suplantou totalmente às mais exigentes expectativas, e, pelo
menos para mim posto que não fazia parte dos planos iniciais, mesmo porque
sequer havia sido imaginado. Refiro-me especificamente à investigação clínica.
Entrava eu, então, naqueles dias, orientado por Dr. Toccalino, na área mais
apaixonante da Medicina, a Pesquisa! Este era um novo mundo que se
descortinava, quase um sonho, e me absorvia integralmente, mas não conflitava
com as atividades clínicas, bem ao contrário, era uma complementação. Em
virtude da grande empatia, amizade e, acima de tudo, da confiança que foi sendo
construída entre nós, Dr. Toccalino me propôs a realização de 2 projetos de
investigação clínica envolvendo nossos pacientes portadores de diarreia aguda e
crônica. Na realidade, tratava-se de investigar a microflora bacteriana do
intestino delgado em ambos os grupos de crianças. Estudaríamos a microflora
bacteriana do intestino delgado destas crianças com a hipótese de que iríamos
encontrar um sobrecrescimento bacteriano da flora fecal anormalmente elevado na
secreção jejunal e com isto demonstrar que este achado seria pelo menos mais um
fator responsável pela perpetuação da diarréia. Para se conseguir obter
amostras da secreção jejunal era necessário fazer com que os pacientes se
submetessem a introdução de uma sonda de polietileno radiopaca por via nasal,
até que sua extremidade distal alcançasse as primeiras porções do jejuno. A
evolução da sonda era acompanhada por radioscopia e quando a mesma atingisse o
local desejado era feita aspiração da secreção com uma seringa, todo o
procedimento realizado em condições assépticas. Após a obtenção da secreção
jejunal, esta era semeada em placas de Agar para cultura e identificação das
colônias bacterianas (Figuras 7-8-9-10).
Figura 7-
Foto das sondas de polietileno de tripla via usadas para obter secreção
jejunal. Ao fundo Guimaray e mais atrás o bosque na parte posterior do
hospital.
Figura 8-
Fotografia de uma chapa de Raio X mostrando a localização do trajeto da sonda
ao longo do tubo digestivo.
Figura 9-
Realização do procedimento de coleta da secreção jejunal em um paciente
portador de diarreia persistente, no Instituto Malbran.
Figura 10-
Dra. Norma Microbiologista do Instituto Malbran semeando na placa de agar o
líquido jejunal.
A partir desta proposta, que imediatamente aceitei, passei a fazer um vastíssimo levantamento da literatura a respeito do tema, o que possibilitou que eu publicasse o primeiro trabalho na literatura médica: Fagundes Neto, U. Bacteriologia del tracto digestivo en el niño. Acta Gastroenterológica Latino Americana, 1973; 5: 195-212.
Vale ressaltar que naquela
ocasião havia surgido uma verdadeira avalanche de artigos publicados na
literatura médica a respeito da microflora bacteriana do intestino delgado em
condições normais e patológicas. Esses estudos haviam sido majoritariamente
realizados em indivíduos adultos, as publicações em pacientes pediátricos eram
escassas. Havia, entre outras inúmeras
razões duas principais para justificar esta febre de investigação clínica nesta
área da gastroenterologia, a saber:
1- A primeira conquista foi o domínio da metodologia da realização da cultura de
bactérias anaeróbias que havia sido recentemente obtido, o que até então era
algo praticamente não disponível aos laboratórios de microbiologia, pois as
culturas microbiológicas somente eram realizadas para pesquisar bactérias
aeróbias, o que tornou factível este tipo de pesquisa. Como já era sabido pelas
escassas investigações disponíveis até aquela época, a população bacteriana do
trato digestivo é majoritariamente anaeróbia, na proporção de 1/100.000, e,
assim, este novo avanço tecnológico trouxe a possibilidade de se investigar a
bacteriologia completa do trato digestivo, ou seja, ambas as microfloras:
anaeróbia e aeróbia. Este extraordinário avanço metodológico passou a ser um
tema altamente atraente para os investigadores e, além disso, também porque o
domínio completo da técnica de cultura em anaerobiose era ainda restrita a
pouquíssimos laboratórios de microbiologia. No nosso caso tínhamos um grande
trunfo nas mãos porque Dr. Toccalino mantinha de longa data estreitas relações
profissionais com uma iminente microbiologista argentina, Dra. Tereza Eiguer,
que trabalhava em uma prestigiosa instituição de microbiologia denominada
Instituto Malbran, localizado no bairro de Parque Patrícios, na capital
federal.
2- A
segunda grande conquista diz respeito à produção das sondas de polietileno
flexíveis e radiopacas que havia sido recentemente introduzida no mercado, o
que passou a permitir que o paciente ao ser entubado tornasse possível
identificar com precisão toda sua trajetória ao logo do trato digestivo e,
também, a exata localização da extremidade distal da sonda. Desta forma, viabilizava-se
a obtenção de secreção jejunal para a realização da cultura bacteriana em meio
anaeróbio e aeróbio. Para ser evitada uma eventual contaminação do material na
luz da sonda pelas secreções das porções superiores do trato digestivo, a sonda
era selada na sua extremidade distal com vaselina solida e na proximal ao
fogo.
Dr. Toccalino e eu, tínhamos, portanto, naquele momento alcançado todos os requisitos técnicos para desenvolver os tão ambiciosos projetos de pesquisa, posto que pacientes havia em abundância, as sondas Dr. Toccalino havia conseguido de um fabricante local e, por fim, a Dra. Eiguer mostrou-se altamente interessada em realizar a investigação microbiológica em nossos pacientes.
Apesar de dispormos de todos os requisitos humanos e técnicos fundamentais para colocar em marcha nosso projeto de pesquisa, no entanto, faltava solucionar um quesito crucial que era o logístico, posto que o Policlínico Alejandro Posadas não pudesse disponibilizar nenhum meio de transporte para este fim, e o Instituto Malbran distava cerca de 20km do referido Policlínico (Figura 11).
Figura 11- A rota de 20 km que eu seguia com meus pacientes para coletar as amostras de secreção jejunal.
Além disso, para a realização do estudo era absolutamente necessário que a coleta da amostra da secreção jejunal fosse realizada no Instituto Malbran e o fluido obtido imediatamente semeado em condição de anaerobiose. Quando tudo caminhava para um impasse fundamental foi ai que entrou a enorme capacidade criativa daqueles que necessitam improvisar para sobreviver, atributo bastante característico dos latino-americanos. Posso afirmar sem nenhum medo de cometer exagero que foi uma grande aventura na qual Dr. Toccalino e eu nos metemos. Como eu possuía um carro decidimos que eu levaria os pacientes ao Instituto Malbran sendo que estes iriam com a sonda previamente colocada até o destino final e ali realizaríamos a coleta da secreção jejunal. Ao findar a coleta do fluido jejunal eu retiraria a sonda naso-jejunal do paciente e retornaria ao Policlínico Alejandro Posadas com o paciente e sua mãe em meu carro. Naqueles tempos esta quase insanidade, posto que o carro fosse brasileiro, o motorista era médico e brasileiro com visto temporário no país, o paciente com a sonda posta e sua mãe eram argentinos, poderia ser permitida, porém, caso estivéssemos nos dias atuais, este projeto de pesquisa não teria viabilidade ao menos que fosse encontrada alguma outra forma logística de transporte que viesse a cumprir todos os trâmites burocráticos para tal. Foi sem dúvida alguma uma grande aventura, diria eu quase heroica, pois durante meses, semanalmente realizei este percurso e com muita sorte nenhuma intercorrência ocorreu. Realizamos os trabalhos que nos renderam muitos méritos científicos e que particularmente a mim, abriu as portas para uma futura próxima aventura, agora nos Estados Unidos. Infelizmente, meu querido e amado mestre, Dr. Toccalino, muito pouco pode desfrutar destes méritos, porque ele logo a seguir adoeceu de moléstia incurável e veio a falecer pouco tempo depois, sem que tivéssemos tido a oportunidade de celebrar, como seriam merecidas, as publicações dos trabalhos em revistas indexadas internacionalmente. Esta é uma frustação que carrego comigo desde sempre, e lamento constantemente a perda de um médico extraordinário, um pesquisador inquieto e um amigo incondicional. Estes trabalhos são pioneiros no que concerne a bacteriologia do intestino delgado na Pediatria. Foram incialmente apresentados por mim na sessão de temas livres do Congresso Mundial de Pediatria, em 1974, em Buenos Aires, e posteriormente publicados como segue: Fagundes Neto, U; Toccalino, H; Dujovney, F. Stool bacterial aerobic overgrowth in the small intestine of children with acute diarrhea. Acta Paediatrica Scandinavica 1976; 65: 609-17 e Fagundes Neto, U; Eiguer, T; Toccalino, H. Fermentative diarrhea and small intestinal bacterial overgrowth in infancy. Correlation with the nutritional status. Arquivos de Gastroenterologia 1976; 13: 19-28.
Dr. Toccalino e eu, tínhamos, portanto, naquele momento alcançado todos os requisitos técnicos para desenvolver os tão ambiciosos projetos de pesquisa, posto que pacientes havia em abundância, as sondas Dr. Toccalino havia conseguido de um fabricante local e, por fim, a Dra. Eiguer mostrou-se altamente interessada em realizar a investigação microbiológica em nossos pacientes.
Apesar de dispormos de todos os requisitos humanos e técnicos fundamentais para colocar em marcha nosso projeto de pesquisa, no entanto, faltava solucionar um quesito crucial que era o logístico, posto que o Policlínico Alejandro Posadas não pudesse disponibilizar nenhum meio de transporte para este fim, e o Instituto Malbran distava cerca de 20km do referido Policlínico (Figura 11).
Figura 11- A rota de 20 km que eu seguia com meus pacientes para coletar as amostras de secreção jejunal.
Além disso, para a realização do estudo era absolutamente necessário que a coleta da amostra da secreção jejunal fosse realizada no Instituto Malbran e o fluido obtido imediatamente semeado em condição de anaerobiose. Quando tudo caminhava para um impasse fundamental foi ai que entrou a enorme capacidade criativa daqueles que necessitam improvisar para sobreviver, atributo bastante característico dos latino-americanos. Posso afirmar sem nenhum medo de cometer exagero que foi uma grande aventura na qual Dr. Toccalino e eu nos metemos. Como eu possuía um carro decidimos que eu levaria os pacientes ao Instituto Malbran sendo que estes iriam com a sonda previamente colocada até o destino final e ali realizaríamos a coleta da secreção jejunal. Ao findar a coleta do fluido jejunal eu retiraria a sonda naso-jejunal do paciente e retornaria ao Policlínico Alejandro Posadas com o paciente e sua mãe em meu carro. Naqueles tempos esta quase insanidade, posto que o carro fosse brasileiro, o motorista era médico e brasileiro com visto temporário no país, o paciente com a sonda posta e sua mãe eram argentinos, poderia ser permitida, porém, caso estivéssemos nos dias atuais, este projeto de pesquisa não teria viabilidade ao menos que fosse encontrada alguma outra forma logística de transporte que viesse a cumprir todos os trâmites burocráticos para tal. Foi sem dúvida alguma uma grande aventura, diria eu quase heroica, pois durante meses, semanalmente realizei este percurso e com muita sorte nenhuma intercorrência ocorreu. Realizamos os trabalhos que nos renderam muitos méritos científicos e que particularmente a mim, abriu as portas para uma futura próxima aventura, agora nos Estados Unidos. Infelizmente, meu querido e amado mestre, Dr. Toccalino, muito pouco pode desfrutar destes méritos, porque ele logo a seguir adoeceu de moléstia incurável e veio a falecer pouco tempo depois, sem que tivéssemos tido a oportunidade de celebrar, como seriam merecidas, as publicações dos trabalhos em revistas indexadas internacionalmente. Esta é uma frustação que carrego comigo desde sempre, e lamento constantemente a perda de um médico extraordinário, um pesquisador inquieto e um amigo incondicional. Estes trabalhos são pioneiros no que concerne a bacteriologia do intestino delgado na Pediatria. Foram incialmente apresentados por mim na sessão de temas livres do Congresso Mundial de Pediatria, em 1974, em Buenos Aires, e posteriormente publicados como segue: Fagundes Neto, U; Toccalino, H; Dujovney, F. Stool bacterial aerobic overgrowth in the small intestine of children with acute diarrhea. Acta Paediatrica Scandinavica 1976; 65: 609-17 e Fagundes Neto, U; Eiguer, T; Toccalino, H. Fermentative diarrhea and small intestinal bacterial overgrowth in infancy. Correlation with the nutritional status. Arquivos de Gastroenterologia 1976; 13: 19-28.
Estes trabalhos nos colocavam no estado
da arte da produção científica a respeito da bacteriologia do intestino,
estávamos naquele dado momento alargando os limites da fronteira do
conhecimento. Esta experiência teve uma valia incalculável, porque quando
voltei ao Brasil me associei ao grupo do Prof. Luis Rachid Trabulsi, na Escola
Paulista de Medicina, um dos maiores pesquisadores de enterobactérias em nível internacional,
e inúmeros trabalhos de pesquisa passamos a realizar em conjunto nos anos
vindouros. Desde então a pesquisa passou a ser uma das minhas mais importantes
prioridades no plano profissional como docente, pois produzir novos
conhecimentos é um dos pilares básicos da vida acadêmica.
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