A OMS recomenda a
prática do aleitamento natural exclusivo durante os 6 primeiros meses de vida,
e partir desta idade deve-se começar, de forma gradual, a introdução dos
alimentos sólidos. A suplementação do aleitamento natural é recomendada até
pelo menos os 2 anos de idade desde que este seja um desejo recíproco entre mãe
e filho (Figuras 1-2 e 3).
Figura 1- Minha filha Walkyria ainda recém-nascida que foi amamentada de forma exclusiva até o sexto mês de vida por sua mãe Fábia.
Figura 2- Mães da favela da Cidade Leonor amamentando seus filhos dentro do programa de promoção ao aleitamento introduzido nesta comunidade no início da década de 1990 pela Profa. Dra. Fátima Lindoso (atualmente Profa. Titular da Pediatria da UFGO), à época minha aluna de doutorado.
Figura 3- Mulher índia nativa do Parque Indígena do Xingú amamentando sua filha, neste momento já com mais de 1 ano de idade, prática universal nesta comunidade indígena.
O aleitamento natural continua
a oferecer efeitos benéficos à saúde da criança até mesmo durante a fase
pré-escolar, tais como: baixo risco da Síndrome da Morte Súbita, inteligência
mais refinada, menores riscos de contrair infecções das vias aéreas superiores,
gripes, menores riscos de contrair determinados tipos de câncer, em especial a
leucemia na infância, baixo risco de instalação de diabete, menores riscos de
asma e eczema, diminuição de problemas dentários, risco menor de desenvolver
obesidade em idades mais avançadas, e riscos menores do surgimento de afecções
psicológicas.
O aleitamento natural
também fornece benefícios à saúde da mãe, posto que auxilia o retorno do útero
ao seu tamanho natural anteriormente ao ter se tornado grávida, assim como também
contribui para que a mulher volte ao seu peso anterior à gravidez. O
aleitamento natural também reduz o risco de contrair câncer de mama em idade
mais avançada.
Sob a influência dos
hormônios pro-lactina e oxitocina as mulheres passam a produzir leite após o
nascimento da criança para poder alimentá-la. O leite inicialmente produzido
chama-se colostro, o qual é muito rico em imunoglobulina A
secretora a qual recobre o trato digestivo protegendo-o das agressões do meio
exterior. Esta proteção ajuda o recém-nascido até que seu próprio sistema
imunológico esteja funcionando plenamente, e, ao mesmo tempo, possui um efeito
laxativo ao contribuir para que o mecônio seja eliminado e, desta forma, também
prevenir o acúmulo de bilirrubina, que é um fator contribuinte para o surgimento
da icterícia.
A quantidade de leite
materno produzida depende da freqüência que a mãe oferece o seio, ou seja,
quanto mais freqüentemente o recém-nascido mamar, maior será a produção do
leite. É extremamente recomendável que o recém-nascido seja alimentado sob o
regime da livre demanda, isto é, quando estiver com fome, ao invés de se
estabelecer um esquema rígido de horário de alimentação.
A composição exata do
leite materno varia de dia para dia e mesmo durante o dia, na dependência da
dieta materna e do próprio ambiente, inclusive em pleno ato de mamar. Por
exemplo, o leite liberado no início da mamada é mais “aguado”, com baixo teor
de gordura e maior concentração de carboidrato em relação ao leite liberado
mais tardiamente, à medida que a lactação vai progredindo, o qual é mais
cremoso apresentando maior teor de gordura (Figura 4).
Figura 4- Duas amostras de leite humano obtidas em diferentes momentos da lactação: à esquerda leite inicial "aguado" com baixo teor de gordura e à direita leite tardio "cremoso" com alto teor de gordura.
Na verdade a mama nunca pode ser
verdadeiramente esvaziada, porque a produção do leite se constitui em um
processo biológico contínuo.
O leite humano além de
fornecer apropriadas concentrações de proteínas, gorduras e carboidratos,
também oferece vitaminas, sais minerais, enzimas digestivos e hormônios, enfim
todos os ingredientes que o lactente necessita para crescer dentro do seu
potencial genético. O leite humano também contém anticorpos e linfócitos do
organismo materno o que auxilia na prevenção de infecções. A função imunológica
do leite humano é individualizada, posto que a mãe através do toque físico ao
cuidar do lactente entra também em contato com os microorganismos que colonizam
o lactente e, conseqüentemente, estes últimos induzem o organismo materno a
produzir anticorpos específicos contra os próprios microorganismos, bem como
células imunologicamente competentes.
Histórico do
Aleitamento Natural: apogeu e declínio
A lactação é
universalmente reconhecida como uma das características exclusivas dos
mamíferos, ocorre há milhões de anos, e, na natureza, desde sempre, as fêmeas
destas espécies do mundo animal executam esta prodigiosa tarefa de preservar a
vida de suas crias sem necessitar de se espelhar em qualquer modelo de
ensinamento prévio. Trata-se, portanto, de um ato instintivo de preservação da
espécie e que ao mesmo tempo cria, pelo menos no ser humano, um elo
indissolúvel de recíproco afeto. Desde o surgimento do Homo erectus a mulher criava
sua prole exclusivamente com seu próprio produto da glândula mamária, o leite,
desde os períodos mais vulneráveis da existência dos seus conceptos até que
estes viessem a ter plena independência na busca dos alimentos alguns anos mais
adiante.
Até o início do século
XIX a amamentação era uma regra praticamente universal em vigência; entretanto,
em decorrência das alterações do comportamento biopsicossocial do ser humano
iniciadas no fim do século retrasado acompanhando o começo da era da
modernização oriunda da industrialização, particularmente no mundo ocidental,
passou-se concomitantemente a ser observada uma progressiva e disseminada
mudança no hábito da prática do aleitamento natural, caracterizada por um
nítido declínio da mesma. Inicialmente este fenômeno teve origem nas classes
mais abastadas dando origem ao surgimento das amas-de-leite, que em geral eram
as serventes das famílias (na verdade praticamente escravas), função esta que
posteriormente passou a ser ocupada pelas nutrizes remuneradas. Para
exemplificar esta afirmativa, há documentos cientificamente comprovados que atestam que em Paris, França, em 1780, dentre as 21.000 crianças que aí
nasceram apenas uma pequena parcela foi amamentada por suas próprias mães
(Organización Mundial de la
Salud 1981, 245 pg); a grande maioria delas foi criada por
amas-de-leite mercenárias. Este fenômeno de abrangência praticamente geral no
mundo ocidental pode ser comprovado por inúmeras pesquisas realizadas em
diferentes países. Assim é que na Inglaterra, em 1947, 41% dos lactentes
acompanhados em New
Castle Upon Time recebiam alimentação mista com um mês de
vida, passando para 67% aos três meses de idade. Na mesma época, em Southport,
76% dos lactentes com dois meses de vida já estavam recebendo aleitamento
misto; em Londres, em 1969, constatou-se que apenas 33% das mães amamentavam
seus filhos exclusivamente ao seio durante o primeiro mês. Na Suécia, o aleitamento natural de forma exclusiva
até o segundo mês de vida sofreu vertiginosa queda de 85% em 1944, para 35% em
1970 (UNICEF 1980).
No Brasil, este mesmo
fenômeno começou a ocorrer algum tempo depois, mas já em 1873, Correia de
Azevedo reclamava a adoção de medidas que normatizassem a prática do
aleitamento mercenário, para logo a seguir, o Barão de Lavradio, em 1875,
passar a reivindicar dos órgãos competentes a regulamentação desse serviço
considerado à época de doméstico. Como resultado deste pleito, em 1876, foi
criado por Moncorvo, o primeiro projeto de regulamentação da atividade desse
tipo de nutrizes. Em 1901, foi fundado o Instituto de Proteção e Assistência à
Infância, no Rio de Janeiro, o qual, entre outros objetivos, tinha a finalidade
de oferecer assistência médica e controlar o estado de saúde das amas-de-leite.
Entretanto, apesar dos esforços invidados por estes próceres uma modalidade de
lei que viesse a regulamentar a atividade das amas-de-leite jamais foi
promulgada e, portanto, nunca chegou a ser implantada (Ama de Leite, Clin.
Pediat. 3;91-4,1985). Até a década de 1960,
a prática do aleitamento natural ainda era universal, e
o tempo de duração variava de 4
a 12 meses. A partir da década de 1970, porém, este quadro sofreu
uma grande transformação, e o declínio da prática do aleitamento natural
tornou-se evidente e alarmante. Sigulem e Tudisco (Arch. Latino-Amer. Nutr.
3;401-16,1980), em estudo realizado na cidade de São Paulo constataram que a
mediana da duração do aleitamento natural era inferior a 30 dias. Confirmando essa assertiva, Sichieri e Moura (J Pediatr. 55;323-6,1983), em 1982, observaram que das
492 crianças acompanhadas em
um Posto de Saúde da periferia de São Paulo, 54,5% haviam
sido desmamadas em período de tempo igual ou inferior a 30 dias, e somente
12,5% dos lactentes haviam recebido aleitamento natural por tempo prolongado.
Lima, Wehba e Fagundes-Neto (Rev. Paulista Pediatr. 8;55-8,1990) demonstraram
que, na década de 1980, também nas classes sócio-econômicas abastadas a prática
do aleitamento natural exclusivo encontrava-se em desuso, posto que a idade
média do desmame ocorreu aos 10 dias de vida do lactente e a principal causa
atribuída ao fracasso da amamentação, em 65,5%
dos casos foi a hipogalactia.
No entanto, em virtude
dos alarmantes problemas de saúde surgidos em decorrência do abandono da
prática do aleitamento natural, que redundaram no aumento significativo da
mortalidade infantil, em especial nas parcelas sócio-econômicas mais
vulneráveis da sociedade, o que foi cientificamente comprovado, estes fatos chamaram
a atenção dos órgãos internacionais responsáveis por cuidar da qualidade de
vida das populações, e passou-se, então, a implementar políticas de saúde
pública para se tentar reverter este dramático quadro a partir do início da
década de 1980.
Composição do Leite
Humano e do Leite produzido por outros Mamíferos
O leite é uma emulsão constituída
por 20% de material sólido e 80% de água. Trata-se de uma solução coloidal de
glóbulos de gordura (micela) que se encontram no interior de um fluido aquoso
(Figura 5).
Figura 5- Constituição da micela mista.
Cada glóbulo de gordura é circundado por uma membrana constituída
por fosfolípides e proteínas; estas substâncias, denominadas emulsificantes,
mantêm os glóbulos separados individualmente evitando que estes se juntem para
formar grânulos sólidos de gordura e também agem como protetores dos próprios glóbulos
de gordura da ação das enzimas digestivas de gorduras presentes na fração líquida
do leite. As vitaminas lipossolúveis A, D, E e K encontram-se presentes no
interior da porção gordurosa do leite. É importante assinalar que o leite
humano contem uma enzima denominada lípase, a qual quebra a gordura
transformando-a em pequenos glóbulos, os quais são mais facilmente digeridos.
As maiores estruturas
químicas presentes na porção líquida do leite são formadas por micelas de
caseína; estas se constituem em milhares de moléculas de proteínas ligadas
entre si com o auxílio de partículas em escala nanométrica de fosfato de
cálcio. Estas micelas desempenham importantes papeis, mas a mais notória é
impedir que as mesmas formem agregados sólidos. A camada mais externa das
micelas é constituída por um tipo de proteína denominada kappa-caseina, a qual
se encontra na porção exterior do corpo da micela no interior do fluido que a
circunda. Estas moléculas de kappa-caseina possuem carga elétrica negativa e,
portanto, se auto-repelem, fenômeno que mantém as micelas individualmente
separadas, evitando assim que em condições normais, sejam formados grumos
sólidos, preservando-as em uma suspensão coloidal estável no fluido em que
estão imersas.
O leite contem ainda
uma grande série de outras proteínas além da caseína, as quais são mais
solúveis em água e não formam grandes estruturas químicas. Como estas proteínas
permanecem suspensas no soro do leite quando a caseína forma coágulos, elas
passaram a ser denominadas em conjunto de proteínas do soro.
Tanto os glóbulos de
gordura quanto as pequenas micelas de caseína, as quais têm tamanho suficiente
para defletir a luz, contribuem para a coloração branca do leite.
O carboidrato do
leite, a lactose, confere um sabor levemente adocicado. A lactose é um
dissacarídeo constituído pelos seguintes monossacarídeos: glicose e galactose
(Figura 6).
Figura 6- Composição da lactose e seus monossacarídeos constituintes, a saber: glicose e galactose.
Na natureza, a lactose é praticamente encontrada apenas no leite,
porém é também encontrada em baixíssimas concentrações em algumas plantas.
O leite humano contem 1,1%
de proteínas, 4,2% de gorduras, 7,0% de carboidratos e 0,2% de minerais oferecendo
72 kcal/100ml (Tabelas 1 e 2).
Tabela 1- Composição
do Leite Humano
GORDURA
|
|
Total (g/100ml)
|
4,2
|
Ácidos Graxos até 8 C (%)
|
traços
|
Ácidos Graxos
Poliinsaturados (%)
|
14
|
PROTEINAS (g/100ml)
|
|
Total
|
1,1
|
Caseína
|
0,3
|
Alfa-Lactoalbumina
|
0,3
|
Lactoferrina
|
0,2
|
Ig A
|
0,1
|
Ig G
|
0,001
|
Lisozima
|
0,05
|
Soro-Albumina
|
0,05
|
CARBOIDRATOS
(g/100ml)
|
|
Lactose
|
7
|
Oligossacarídeos
|
0,5
|
MINERAIS (g/100ml)
|
|
Cálcio
|
0,03
|
Fósforo
|
0,014
|
Sódio
|
0,015
|
Potássio
|
0,055
|
Cloro
|
0,043
|
Tabela 2- Composição
do Leite de Alguns Mamíferos por 100 gramas
Constituintes
|
Unidade
|
Vaca
|
Cabra
|
Ovelha
|
Búfala
|
Água
|
gramas
|
87,8
|
88,9
|
83,0
|
81,1
|
Proteína
|
gramas
|
3,2
|
3,1
|
5,4
|
4,5
|
Gordura
|
gramas
|
3,9
|
3,5
|
6,0
|
8,0
|
Carboidratos
|
gramas
|
4,8
|
4,4
|
5,1
|
4,9
|
Calorias
|
kcal
|
66
|
60
|
95
|
110
|
Cálcio
|
UI
|
120
|
100
|
170
|
195
|
Colesterol
|
mg
|
14
|
10
|
11
|
8
|
Ácidos Graxos
|
|||||
Saturados
|
gramas
|
2,4
|
2,3
|
3,8
|
4,2
|
Mono-insaturados
|
gramas
|
1,1
|
0,8
|
1,5
|
1,7
|
Poli-insaturados
|
gramas
|
0,1
|
0,1
|
0,3
|
0,2
|
O principal carboidrato do leite humano é a lactose, entretanto vários outros oligossacarídeos semelhantes à lactose foram identificados
em pequenas concentrações. A fração de gordura contem triglicerídeos específicos,
tais como ácidos oléico e palmítico, assim como significativas quantidades de
lipídeos com ligações trans, os quais são benéficos à saúde. Dentre eles
destacam-se os ácidos vacênico e linoléico, que correspondem com cerca de 6% da
gordura total. As principais proteínas são a beta-caseina, alfa-lactoalbumina,
lactoferrina, IgA secretora, lisosimas e a soro-albumina. Compostos
nitrogenados não protéicos que incluem uréia, ácido úrico, creatina,
creatinina, amino-ácidos e nucleotídeos correspondem a aproximadamente 25% do
conteúdo de nitrogênio. Foi demonstrado também que o leite humano fornece uma
substância que é um neuro-transmissor (endocannabinoide), a qual possui ação
tranqüilizante.