Introdução
O
leite é a principal fonte alimentar da dieta dos mamíferos durante o período de
aleitamento, e, por essa razão, sempre atraiu o interesse dos profissionais da
saúde, da indústria alimentícia e das mães (Figura 1).
Figura 1- Amostras de leite humano: à esquerda leite inicial com baixa concentração de gordura e à direita leite maduro com elevada concentração de gordura.
É um alimento reconhecidamente como
de grande valor nutricional em cuja composição estão presentes os principais
macronutrientes: proteínas, gorduras e carboidratos. A utilização do leite como
parte constituinte da alimentação após o período de amamentação data
aproximadamente de 6.000 anos e, portanto, os estudos sobre o leite trazem
informações desde remotas eras. Além de fornecer energia e matéria plástica,
o leite e seus derivados, além de outros micronutrientes, também são
importantes fontes de cálcio, potássio, fósforo, riboflavina, magnésio, zinco e
vitaminas lipo e hidrossolúveis, razão pela qual sua inclusão na dieta habitual
de crianças, adolescentes e adultos está relacionada à prevenção da osteoporose
e da hipertensão arterial.
Dentre
os componentes nutricionais do leite e seus derivados é importante destacar a
presença da lactose, carboidrato descoberto em 1633 por Bartoletus, em Bolonha,
cuja síntese química foi obtida em 1927 por Haworth e cols., nos Estados Unidos. A lactose somente é encontrada na natureza como produto específico da
secreção da glândula mamária e desde o ponto de vista evolutivo possui
100.000.000 de anos.
O
principal carboidrato do leite, a lactose, a qual lhe confere um sabor levemente
adocicado, é a maior fonte de carboidratos dos lactentes; naquelas sociedades
tradicionais nas quais o período de amamentação é exclusivo e prolongado, a lactose se constitui praticamente na única
fonte de carboidrato na dieta do lactente até o início do desmame.
O
presente trabalho de revisão tem por objetivo abordar a fisiologia da lactose, os
mais diversos aspectos genéticos da lactase e os diferentes tipos da sua
deficiência, bem como suas conseqüências, a prevalência, as manifestações
clínicas, os critérios diagnósticos, o tratamento e as implicações nutricionais
da má absorção e/ou intolerância à lactose.
Fisiologia
da Lactose: composição e digestão
A
lactose, Saccharum lactis, é um
dissacarídeo (beta-galactosil-1,4-glicose)
constituído pelos monossacarídeos glicose (alfa-d-glicose)
e galactose (beta-d-glicose), sendo
um carboidrato primário presente exclusivamente no leite, produto específico da
secreção das glândulas mamárias e para ser sintetizada requer a participação de
duas proteínas: galactosil tranferase
e α-lactoalbumina (Figura 2).
Figura 2- Composição química da Lactose e seus monossacarídeos constituintes: Glicose e Galactose.
A concentração de lactose no leite dos mamíferos apresenta uma
considerável variabilidade entre as diferentes espécies, e mantém uma relação
inversamente proporcional com as concentrações das proteínas e gorduras. Por
exemplo, o leite da foca, Zalphus
californianus, não possui nenhum carboidrato e a glicose encontrada no
sangue dos filhotes durante o período da amamentação é derivada primariamente
do glicerol da gordura do leite da foca. Com exceção desses animais a lactose é encontrada no leite de todos os
outros mamíferos, sendo que a maior concentração deste carboidrato é verificada
no leite humano (7 gramas%) (Figura 3).
Figura 3
Nos outros mamíferos (vaca, ovelha e
cabra), dos quais se ordenha o leite para o consumo humano, a concentração da
lactose encontra-se ao redor de 5g/100 ml (Figura 4).
Figura 4
Por
ser um dissacarídeo, possui uma estrutura química complexa e, portanto, não
pode ser absorvida em seu estado natural. Por esta razão, necessita ser
desdobrada em seus monossacarídeos constituintes, glicose e galactose, e, após
essa digestão os monossacarídeos são absorvidos pelas células do intestino e
alcançam a circulação. A digestão da lactose é executada por uma enzima específica denominada lactase (β-galactosidase),
a qual se encontra nas microvilosidades dos enterócitos (Figura 5).
Figura 5- Desenho esquemático da hidrólise da Lactose pela Lactase no polo apical das microvilosidades do enterócito.
A
digestão desse carboidrato ocorre em todo intestino delgado, no entanto a
atividade da lactase é intensa no jejuno proximal, pequena no duodeno e jejuno
distal e praticamente ausente no íleo terminal.
A absorção dos subprodutos da lactose (glicose e galactose) ocorre em
diferentes velocidades. O fator determinante da velocidade máxima de digestão
depende da quantidade de lactase presente na mucosa intestinal. Os
monossacarídeos resultantes da hidrólise da lactose passam através da mucosa e
são transportados de maneira ativa até a corrente sanguínea sendo
sódio-dependentes para o seu transporte. Quando estão na corrente sanguínea,
seguem pela veia porta até o fígado, onde são metabolizados.