terça-feira, 31 de agosto de 2010

A história da realização de um Pós-Doutorado na Cornell University, Nova Iorque (12)

O Projeto de Pesquisa Experimental: “Absorção de Macromoléculas Intactas Pelo Jejuno De Ratos in vivo: Influência Dos Sais Biliares Taurocolato, Colato e Deoxicolato”
Resultados

1. Análise Bioquímica da Absorção da Horse Radish Peroxidase (HRP)

A absorção de HRP mostrou-se significantemente mais elevada que os níveis observados para o grupo controle somente quando a solução de perfusão continha o sal biliar primário desconjugado (Cólico) e o sal biliar secundário e desconjugado (Deoxicólico). Outrossim, a absorção de HRP se revelou mais intensa ainda quando a solução de perfusão continha o sal biliar secundário e desconjugado. Não houve diferenças significativas nos níveis séricos da HRP entre os ratos controles perfundidos com solução glico-salina isenta de sais biliares e nos ratos perfundidos com o sal biliar primário e conjugado Taurocólico (fisiológico) (Tabela 1).


2. Microscopia Eletrônica de Transmissão

A penetração de HRP através do epitélio intestinal foi citoquimicamente demonstrável após a perfusão intestinal com o sal biliar primário desconjugado (Cólico) e com o sal biliar secundário desconjugado (Deoxicólico). Nestas preparações a HRP foi visualizada nos espaços intercelulares entre 2 enterócitos adjacentes (Figura 1), bem como ao longo de toda a região das microvilosidades, na zona terminal no interior de vesículas endocitóticas e corpos multivesiculares, ao longo da membrana basal das células epiteliais e nos capilares da lâmina própria (Figuras 2 & 3).

Figura 1- Ultramicrofotografia de 2 enterócitos adjacentes de uma preparação perfundida com DCh. O produto de reação da HRP (em negro) é encontrado sobre as microvilosidades (v) e no espaço intercelular (e). A mitocôndria (m) aparece morfologicamente intacta. No detalhe, Figura 1a, o produto de reação da HRP (negro) é encontrado ao longo de todo o espaço intercelular (e) inclusive com ruptura da zona da junção firme (t). Na Figura 1b o produto de reação da HRP (negro) preserva a região da junção firme.

Figura 2- Ultramicrofotografia de um enterócito de uma preparação perfundida com DCh. O produto de reação da HRP (negro) encontra-se sobre as microvilosidades, as quais estão diminuidas em altura e ao longo do espaço intercelular. Notar no detalhe que as mitocôndrias (m) e o aparelho de Gogi (g) encontram-se inchados e deformados.

Figura 3- Ultramicrofotografia de uma preparação perfundida com DCh. Notar no centro da foto uma estrutura bizarra arredondada com a presença no seu interior do produto de reação da HRP (negro). Trata-se de um corpo multivesicular que caracteriza a atividade lisosomal intracitoplasmática com destruição da macromolécula.

Em todas as preparações nas quais houve penetração da HRP na lâmina própria o marcador protéico também foi detectado no interior dos capilares. O endotélio capilar é fenestrado e a HRP foi visualizada no interior dos capilares venosos (Figura 4).

. Figura 4- Ultramicrofotografia de uma preparação perfundida com Ch. Nota-se o produto de reação da HRP (negro) no interior de um capilar venoso da lâmina própria (c), desde o espaça intercelular (e). Notar em (r) uma hemácia e em (f) um fibroblasto

Com o sal biliar primário e conjugado, Taurocólico, a absorção de HRP foi raramente demonstrada, pelo método citoquímico empregado, em apenas umas poucas vesículas endocitóticas e corpos multivesiculares; o marcador protéico manteve-se confinado às microvilosidades e ocasionalmente pode-se comprovar alguns depósitos focais do produto de reação da HRP nas regiões mais profundas dos espaços intercelulares (Figura 5). Os mesmos achados também foram observados no grupo controle.

Figura 5- Ultramicrofotografia de 2 enterócitos adjacentes de uma preparação perfundida com TCh. O produto de reação da HRP (negro) encontra-se inteiramente confinado na região das microvilosidades (v). Notar que o espaço intercelular (e) encontra-se praticamente desprovido do produto de reação da HRP e que as mitocôndrias (m) e os retículos endoplásmicos (r) encontram-se totalmente intactos e preservados.

Discussão

A- Mecanismos de Absorção da HRP Induzidos pelos Sais Biliares

O ponto central dos nossos experimentos refere-se ao fato de que modificações qualitativas e quantitativas dos sais biliares no micro-ambiente jejunal podem acarretar alterações significativas sobre a barreira de permeabilidade intestinal favorecendo a absorção de macromoléculas protéicas potencialmente alergênicas. Neste estudo ficou plenamente demonstrado que a presença de sais biliares desconjugados no lumem do intestino delgado alto provoca aumento da absorção de um marcador macromolecular. Mais ainda, demonstramos que a magnitude desta captação, ao que tudo indica, parece depender do tipo do sal biliar, primário ou secundário, e seu estado químico, conjugado ou desconjugado.

Baseando-se na experiência de Berrant e cols., que demonstraram em ratos, que na vigência de sobrecrescimento bacteriano da flora colônica no intestino delgado alto os valores dos sais biliares desconjugados alcançam concentrações de até 1 mM, as condições do nosso experimento encontram-se plenamente compatíveis com situações fisiopatológicas.

Os mecanismos íntimos envolvidos nesta absorção aumentada da HRP podem variar dependendo de cada sal biliar em particular e seu estado químico, conjugado ou desconjugado. A absorção da HRP mostrou-se mais intensa com os sais biliares sob a forma desconjugada, em especial o sal biliar secundário Deoxicólico, onde as lesões ultra-estruturais aos sistemas de membranas celulares foram mais graves, incluindo o aparelho de Golgi, retículo endoplásmico e mitocôndria (Figura 2). Tem sido descrito que a presença de sais biliares desconjugados na luz do intestino delgado superior também provoca alterações funcionais sobre o transporte de água e sódio, assim como acarreta má absorção de glicose. Nossos achados indicam que sais biliares desconjugados lesam a integridade da barreira anteposta pela junção firme dos enterócitos permitindo, assim, a penetração do marcador protéico potencialmente alergênico desde o lúmen para a circulação sistêmica. Na mucosa intestinal normal as junções firmes, que constituem uma fusão apical das membranas plasmáticas laterais das células epiteliais adjacentes, constituem uma verdadeira barreira à penetração de macromoléculas desde o lúmen intestinal à circulação e vice-versa. Atualmente há nítidas evidências de que esta barreira pode ser destruída durante certas condições fisiopatológicas, tais como: infecções entéricas provocadas por certos agentes enteropatogênicos tais como as cêpas entero-aderentes de Escherichia coli e as cêpas entero-agregativas de Escherichia coli, desnutrição protéico-calórica, trauma cirúrgico, ingestão crônica de álcool, condições de hiperosmolaridade etc.

B- Possíveis Implicações

Desnutrição e diarréia constituem um binômio praticamente inseparável contribuindo decisivamente como uma das principais causas de mortalidade infantil nos países em desenvolvimento.

Um aspecto peculiar da desnutrição protéico-calórica está representado pela alta freqüência de sobrecrescimento da microflora colônica nas porções superiores do intestino delgado. A ruptura dos mecanismos reguladores da flora bacteriana, tais como, hipocloridria gástrica, hipomotilidade e hipotonia intestinais, deficiências imunológicas, etc., associados a condições ambientais insalubres, altamente contaminados devido a ausência de água potável e saneamento básico, propiciam o sobrecrescimento bacteriano e acarretam sérias conseqüências para o hospedeiro.

Bactérias intestinais, em especial as anaeróbias, atuam sobre os sais biliares primários, desconjugando-os, acarretando diminuição da concentração micelar crítica, impedindo a formação da micela mista. Como decorrência direta deste efeito ocorre deficiente solubilização dos gorduras da dieta, com conseqüente esteatorréia. Estas bactérias também possuem a capacidade de atuar sobre os sais biliares primários porvocando 7 alfa desidroxilação (Figura 6), transformando-os em sais biliares secundários, o que irá desencadear graves alterações morfo-funcionais no intestino delgado.

Figura 6- Representação esquemática da ação das bactérias anaeróbias sobre os sais biliares primários causando 7 alfa desidroxilação e desconjugação, transformando-os em sais biliares secundários.


Além disso, a associação dos sais biliares secundários e desconjugados com as bactérias anaeróbias presentes na luz do intestino delgado é altamente lesiva para a mucosa jejunal acarretando graves deficiências digestivo-absortivas que irão trazer repercussões indesejáveis para a saúde do indivíduo afetado por esta síndrome.

Em conclusão, absorção aumentada de macromoléculas protéicas intactas, potencialmente antigênicas, como foi observado nas condições definidas por este experimento, deve alertar para a possibilidade do aparecimento de alergia alimentar devido à ruptura da barreira de permeabilidade intestinal, mesmo levando-se em conta todas as reconhecidas possiveis limitações advindas de um estudo experimental e suas respectivas dificuldades de transposição para aquela vivenciada na atividade clínica.

No nosso próximo encontro discutirei com riqueza de detalhes as principais implicações clínicas que estas alterações fisiopatológicas, aqui demonstradas, tem provocado nos seres humanos.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

A história da realização de um Pós-Doutorado na Cornell University, Nova Iorque (11)

O Projeto de Pesquisa Experimental: “Absorção de Macromoléculas Intactas Pelo Jejuno De Ratos in vivo: Influência Dos Sais Biliares Taurocolato, Colato e Deoxicolato”

Material e Métodos

1. Perfusão Intestinal
Ratos machos, cêpa Wistar, pesando entre 100 e 150 gramas foram utilizados. Os ratos foram alimentados com dieta padrão até a noite anterior ao experimento.

Os ratos foram anestesiados pela via intra-peritoneal com uretano à dose de 1,2 g/kg de peso. A cavidade abdominal foi aberta por uma incisão médio-ventral e o duodeno identificado. Uma pequena incisão foi realizada na porção média do duodeno e um tubo de polietileno foi inserido através de uma incisão até atingir o ligamento de Treitz. A cânula foi então fixada no lugar por meio de uma ligadura. Um segmento de jejuno, medindo aproximadamente 30-40 cm, foi utilizado para perfusão e a extremidade distal deste segmento também foi canulada, e a cânula fixada por uma ligadura. O segmento distal assim preparado para a perfusão intestinal foi delicadamente lavado com solução fisiológica isotônica evitando-se distensão (Figura 1).
Figura 1- Início do procedimento cirúrgico para implantação das cânulas; às vezes ocorria algum acidente de trabalho como mostra a foto.

A cânula proximal foi acoplada a uma bomba de perfusão peristáltica marca Harvard modelo 1220 e o segmento jejunal devidamente preparado foi perfundido durante 60 minutos a um ritmo de 0,21-0,24 ml/min com uma solução isotônica (280 mOsm/l) de glicose e cloreto de sódio (pH 6,9) contendo 600 mg% de polietileno-glicol (PEG) e 0,5 g% de Horseradish peroxidase (HRP) (Tipo II Sigma Chemical Co., St Louis, M) como marcador protéico macromolecular. A esta solução de perfusão foi acrescentado, de forma independente para cada sessão do experimento, o sal sódico de um dos seguintes ácidos biliares: Taurocólico (TCh) (Sal biliar primário e conjugado), Cólico (Ch) (Sal biliar primário e desconjugado) e Deoxicólico (DCh) (Sal biliar secundário e desconjugado) a uma concentração de 0,5 mM. Ratos Controles (C) foram perfundidos com uma solução isenta de sais biliares. Após a adição dos sais biliares o pH da solução foi reajustado para o valor de 6,9 e a osmolaridade permaneceu inalterada (Figura 2).



Figura 2- Os ratos em plena ssessão de perfusão intestinal após terem sido apropriadamente preparados para tal com as cânulas proximais acopladas às bombas de perfusão. Cada experimento envolvia 12 ratos em um mesmo procedimento.

A concentração 0,5 mM dos sais biliares foi escolhida por ser aquela que fisiologicamente se encontra no lúmen intestinal dos ratos adultos. Foram estudados os fluxos de água por meio da determinação das alterações intra-luminais de um marcador não absorvível, o PEG, durante o experimento, e expressos segundo a seguinte relação PEG inicial/PEG final, ou seja determinando-se o quociente entre a concentração do PEG na solução infundida e a concentração do PEG na solução coletada da perfusão na cânula distal. O transporte do sódio foi analisado determinando-se a concentração do sódio perfundido em aparelho de fotometria de chama (IL Modelo 143) e a absorção de glicose pelo método da glicose oxidase. Os cálculos finais dos transportes de sódio e glicose foram determinados aplicando-se a seguinte fórmula: T= C inicial – (C final x PEGr) x Ritmo de perfusão (ml/min) x 1000/ Comprimento de alça intestinal perfundida (cm), aonde: C inicial representa a concentração da substância na solução de perfusão e C final a concentração da substância no perfundido e PEGr o valor numérico da relação PEG inicial/PEG final. Valores finais positivos indicam absorção de uma determinada substância e negativos indicam secreção.
2. Análise Bioquímica da Absorção de HRP
A absorção de HRP desde a luz intestinal para a circulação sistêmica foi monitorada enzimaticamente. Ao cabo dos 60 minutos do período experimental, sangue da aorta abdominal foi cuidadosamente obtido, evitando-se hemólise. Este procedimento foi feito empregando-se uma agulha número 22 e seringa heparinizada da qual se retirou o êmbulo para que o sangue pudesse fluir espontaneamente. A agulha era então removida e permitia-se que o sangue fluísse da seringa para um tubo de ensaio conservado em um balde com gelo. O plasma era separado por centrifugação à 500g durante 10 minutos e posteriormente clarificado por uma segunda centrifugação sob idênticas condições (Figura 3).
Figura 3- Mary Ann fazendo a coleta de sangue da aorta do rato ao término do experimento de perfusão para fazer a dosagem sérica da HRP. Estou ao seu lado e há um buraco esbranquiçado na minha calça, produto de manipular substâncias corrosivas no laboratório.

A atividade sérica de HRP foi determinada utilizando-se orto-dianisidina (corante) como doadora de electron (Worthington Biochemical Corp., Freehold, NJ). Os resultados foram expressos como micromoles de peroxidase decomposta/min/ml/cm de jejuno perfundido e corrigido para um padrão de ritmo de perfusão de 0,2 ml/min. A reação enzimática obedece ao seguinte princípio básico: a peroxidase (enzima) atua sobre o peróxido de hidrogênio (substrato) decompondo-o em água e liberando oxigênio. A orto-dianisidina é uma substância incolor que foi adicionada à reação para possibilitar a quantificação da atividade enzimática. À medida que a reação se processa, o corante é oxidado pela liberação de Oxigênio molecular e vai adquirindo a cor marrom. Desta forma, torna-se possível determinar por método colorimétrico, empregando-se espectrofotômetro com polígrafo acoplado, a quantidade de enzima presente na amostra estudada (Figura 4).



Figura 4- Mary Ann carregando a prateleira com os tubos de ensaio após ter dosado a HRP por técnica bioquímica. Notar o tom amarronzado do fluido no interior dos tubos de ensaio.

3. Microscopia de Luz e Eletrônica de Transmissão
A absorção de HRP foi também monitorada utilizando-se método citoquímico por meio da microscopia de luz e eletrônica de transmissão conforme descrição que segue abaixo.

Após a conclusão do experimento, o segmento intestinal foi perfundido durante aproximadamente 3 minutos, a um ritmo de 10 ml/min à temperatura ambiente, com solução de glutaraldeido 2% tamponada com cacodilato 0,1 (pH 7,2 – 7,4). Após este tempo os ratos eram sacrificados e o segmento perfundido retirado e submerso em fixador refrigerado, recentemente preparado. Uma pequena porção deste material, medindo de 2 a 3 cm de tamanho, e distando de 10 a 15 cm da porta de entrada da cânula proximal, era obtido e dividido em pequenos blocos de tecido de forma cilíndrica. Estes blocos eram submersos em frasco contendo a solução fixadora e aí permaneciam por uma hora. Após este período de tempo os fragmentos eram lavados durante 12 horas em solução tampão cacodilato 0,1 M com 7% de sacarose e guardados em refrigerador.

Os fragmentos cilíndricos eram agora abertos e cortados em porções menores sob microscópio de dissecção em tampão refrigerado, expondo-se assim a face luminal da mucosa jejunal. Estes novos fragmentos eram congelados na cabeça de um micrótomo de congelação e enxaguados durante 15 minutos no meio de Graham e Karnovsky, contendo diamino-benzidina em ausência de substrato (peróxido de Hidrogênio). Eram posteriormente incubados durante 45 minutos em meio completo à temperatura ambiente.

O processo de incubação enzimática era finalizado enxaguando-se brevemente com solução refrigerada de sacarose 7,5%.

Os fragmentos incubados eram posteriormente fixados em solução refrigerada de tetraóxido de ósmio contendo tampão cacodilato 0,1 M (pH 7,3) durante 60 minutos, corados em bloco com acetato de uranila, desidratados em uma série graduada de soluções de etanol a 50, 70, 95 e 100%, respectivamente, e finalmente incluídos em Epon. Cortes espessos de 1 micra eram feitos em ultramicrótomo para estudo em microscópio de fase (Figura 5).

Figura 5- Microfotografia em microscópio de contraste de fase mostrando 2 vilosidades jejunais digitiformes aonde podem ser visualizadas as células epiteliais cilíndricas e as células califormes. Na superfície mais externa das vilosidades, na região das microvilosidades, nota-se um contorno enegrecido que corresponde à presença do produto de reação da HRP (macro-molécula protéica).

Cortes ultrafinos de coloração prateada eram feitos e examinados em microscópio eletrônico JEOL-JEM 100. Os espécimes eram estudados levemente corados com citrato de chumbo. Microfotografias eram obtidas em magnificações iniciais de 5000 a 25000 vezes.

As análises histológicas dos cortes espessos eram feitas “às cegas” desconhecendo-se o tipo de tratamento fisiológico ao qual o material havia sido submetido e interpretadas por 2 investigadores (eu e Saul Teichberg). Nenhum resultado foi considerado válido caso não fosse reprodutível em pelo menos 3 experimentos independentes. Para cada um dos ratos estudados, 18-24 vilosidades intestinais por animal foram analisadas em microscopia de fase. Áreas representativas foram escolhidas para análise em microscopia eletrônica.

No nosso próximo encontro apresentarei os resultados deste projeto de pesquisa e a discutirei os achados com suas potenciais implicações clínicas.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

A história da realização de um Pós-Doutorado na Cornell University, Nova Iorque (10)

Projeto de Pesquisa Experimental: “Absorção de Macromoléculas Intactas Pelo Jejuno De Ratos in vivo: Influência Dos Sais Biliares Taurocolato, Colato e Deoxicolato”
Introdução

A- Absorção de Macromoléculas pelo Intestino e sua Relação com Alergia Alimentar
A despeito da noção geral de que o intestino se constitui em uma barreira impermeável à penetração dos antígenos intra-luminais, evidências clínicas e experimentais demonstram que esta barreira da mucosa intestinal pode ser eventualmente ultrapassada mesmo em determinadas circunstâncias não patológicas. Desta forma, a absorção de macromoléculas pode ocorrer, ainda que seja em quantidades ínfimas para que tenha algum valor nutricional, mas que seja em quantidades de tal monta que possam ser suficientes para desenvolver estímulo antigênico.

A absorção aumentada de macromoléculas intactas pelo intestino pode acarretar uma série de conseqüências indesejáveis para o hospedeiro. Por exemplo, está plenamente reconhecida que a absorção de macromoléculas pode desempenhar papel de fundamental importância em algumas situações patológicas nas quais se incluem as reações alérgicas aos alimentos, diarréia crônica, processos toxigênicos, enfermidades inflamatórias intestinais, doença celíaca, enfermidades auto-imunes, etc.

Para impedir a penetração antigênica para a corrente sanguínea através da barreira mucosa intestinal, a natureza criou um sofisticado sistema de defesa, imunológico e não imunológico (físico e químico), que atua desde o estômago avançando para o lúmen intestinal e até mesmo recobrindo a superfície mucosa (glicocálix), provendo, assim, o trato digestivo como a primeira linha de defesa contra este tipo de invasão (Figuras 1 – 2 – 3 – 4 – 5 & 6) (Tabela 1).

Figura 1- Desenho esquemático da distribuição da microflora bacteriana ao longo do trato digestivo em condições fisiológicas.

Figura 2- Desenho esquemático da distribuição do muco na superfície do enterócito.

Figura 3- Ultramicrofotografia de uma célula caliciforme repleta de muco em seu interior.

Figura 4- Desenho esquemático da barreira de permeabilidade interposta pelo poro intercelular, pela junção firme e pelos desmosomas.

Figura 5- Ultramicrofotografia de dois enterócitos adjacentes evidenciando a região das microvilosidades no polo apical das células e o espaço intercelular mostrando em seu terço médio um desmosoma (mancha enegrecida).

Figura 6- Desenho esquemático dos diversos componentes da barreira de permeabilidade em condições normais e da deficiência de um ou mais destes componentes.


Tabela 1- Componentes da Barreira de Permeabilidade Intestinal.
Entretanto, apesar da existência desta eficiente barreira de permeabilidade, nem sempre, porém, o organismo consegue depurar completamente os antígenos ingeridos com a dieta. Nestas últimas décadas inúmeros estudos experimentais combinados, morfológicos e funcionais, revelaram que o enterócito possui a capacidade de absorver macromoléculas intactas que por quaisquer motivos conseguiram alcançar a porção mais apical na região das microvilosidades. Por meio de um sistema de vesículas, inicialmente ocorre uma interação entre as macromoléculas e os componentes da membrana das microvilosidades (Figura 7), processo denominado “adsorção”.

FIgura 7- Desenho esquemático do processo de endocitose e o estímulo de produção de lisosomas pelo complexo de Golgi com a respectiva formação do corpo mulivescular.

Quando uma concentração suficientemente significativa de macromoléculas entra em contato com a membrana celular ocorre uma invaginação da mesma (endocitose) e, desta forma, pequenas vesículas endocitóticas são formadas na base apical das microvilosidades, as quais, posteriormente, dirigem-se para o polo basal do enterócito. Uma fração destas vesículas endocitóticas funde-se com os lisosomas produzidos pelo complexo de Golgi dando lugar a formação dos corpos multivesiculares, os quais já não mais possuem efeito antigênico (Figura 8).

Figura 8- Ultramicrofotografia de um corpo multivesicular que foi fagocitado e destruido pelo lisosoma no interior do enterócito.

Este complexo é eliminado no espaço intercelular através do pólo baso-lateral do enterócito por meio de um processo denominado exocitose (Figura 9), o qual já está suficientemente degradado, portanto, sem capacidade de desenvolver qualquer estímulo antigênico, e representa a primeira linha de defesa celular.

Figura 9- Desenho esquemático do processo de destruição da macromolécula pelo lisosoma e sua eliminação do enterócito por meio da exocitose, agora já sem possibilidade de desenvolver estímulo antigênico.

Caso, porém, parte do material que sofreu o processo de endocitose não venha a ser totalmente degradado pelos lisosomas e seja liberado intacto pelo enterócito, este material será degradado por macrófagos que estão presentes na lâmina própria da mucosa do intestino delgado, os quais representam a segunda linha de defesa celular. Por outro lado, entretanto, caso ocorra uma penetração significativa de macromoléculas intactas, potencialmente antigênicas, que venham a superar todos os mecanismos de defesa do trato digestivo e haja uma predisposição alérgica geneticamente determinada por parte do hospedeiro, poderão surgir as clássicas manifestações clínicas de Alergia Alimentar.

Objetivos

Está bem estabelecido que em condições fisiológicas os sais biliares primários estão presentes no fluido do intestino delgado como compostos químicos conjugados com glicina ou taurina, e que a produção dos sais biliares secundários se dá pela ação das bactérias da microflora intestinal, as quais se encontram em concentrações elevadas a partir das porções distais do intestino delgado, em particular no íleo terminal. Por outro lado, em situações patológicas em que ocorre sobrecrescimento bacteriano da microflora colônica nas porções altas do intestino delgado, haverá não somente desconjugação dos sais biliares primários, como também produção de sais biliares secundários pela 7α desidroxilação dos sais biliares primários. Tem sido demonstrado que a presença de sais biliares desconjugados e/ou secundários na luz do jejuno resulta em efeitos altamente deletérios sobre a função digestivo-absortiva provocando secreção de água e sódio, má absorção de glicose e alterações morfológicas na mucosa jejunal (Figura 10). Levando-se em consideração estas anormalidades acima descritas, este projeto de pesquisa experimental foi desenvolvido para verificar os potenciais efeitos, sobre a barreira de permeabilidade intestinal, dos seguintes sais biliares: taurocolato (primário e conjugado), cólico (primário e desconjugado) e deoxicólico (secundário e desconjugado).

Figura 10- Ação deletéria dos sais biliares desconjugados sobre a mucosa do intestino delgado.


No nosso próximo encontro darei continuidade a este excitante projeto de pesquisa descrevendo toda a sofisticada metodologia do mesmo.