quarta-feira, 2 de junho de 2010

A história da realização de um Pós-Doutorado na Cornell University, Nova Iorque (5)

O Trabalho de Campo
Diante das peculiaridades da população do Alto Xingu, posto que seus habitantes aí vivem nas condições mais próximas possíveis daquelas vigentes na época do Descobrimento, foi elaborado um projeto de pesquisa com os seguintes objetivos:

1- Avaliar o estado nutricional das crianças índias; 2- Determinação do Hematócrito e 3- Prevalência de parasitoses intestinais.
Casuística

O trabalho de campo desenvolveu-se sempre na primeira quinzena do mês de julho durante três anos consecutivos, a saber: 1974-75-76. A época do ano foi fixada no mês de julho porque as condições climáticas nesta época do ano são bastante favoráveis à execução do projeto de pesquisa. O período de seca, que já se faz prolongado, o que costuma ocorrer desde o mês de março com o fim do período das chuvas, facilita a mobilidade no interior do PIX, tanto no que se refere ao deslocamento dos índios desde suas aldeias até o Posto Leonardo, como do próprio grupo médico em direção às aldeias. Nestas circunstâncias, o acesso às aldeias utilizando-se os meios de transporte disponíveis na região, seja o terrestre ou fluvial, encontram-se bastante favorecidos (Figuras 1-2-3-4 & 5).
Figura 1- Equipe médica se deslocando de barco no rio Xingu para trabalhar numa aldeia indígena. No primeiro plano estou eu, ao meu lado Prof. Mauro Morais, na ocasião ainda estudante de medicina, e mais atrás Prof. Baruzzi.


Figura 2- Desembarque da equipe médica em uma praia do rio Xingu para iniciar a caminhada em direção a uma aldeia.

Figura 3- Caminhada pela trilha aberta na mata tendo à frente Prof. Wagner Silvestrini.

Figura 4- Uma parada na trilha para uma foto.

Figura 5- Equipe médica atravessando uma pinguela.

Ao final deste período haviam sido avaliadas 175 crianças, 97 do sexo masculino, com idade estimada igual ou inferior a 5 anos, pertencentes às tribos indígenas do Alto Xingu.

A avaliação da idade limite para inclusão na avaliação do estado nutricional foi realizada por meio do exame clínico da criança e do exame da arcada dentária, este último executado por odontólogo. Uma vez estabelecida a população a ser incluída no estudo não mais se utilizou a variável idade.

Tratou-se sempre, em cada ano do trabalho de campo, de incluir o maior número possível de crianças de cada tribo pertencente ao grupo etário pré-determinado. Para tanto, não somente foi solicitado o comparecimento dos índios ao Posto Leonardo (Figuras 6 & 7), como também a equipe médica realizou diversos deslocamentos até as aldeias (Figura 8). Em cada etapa do trabalho procurou-se não apenas incluir as crianças já avaliadas no ano anterior, mas também, aquelas nascidas nos 12 meses precedentes, bem como todas as crianças maiores de 1 ano e menores de 5 anos que, por quaisquer razões, não haviam sido examinadas no ano precedente. Tal procedimento possibilitou estabelecer uma análise transversal, correspondente a cada ano, identificando, em cada etapa do trabalho, um grupo de crianças que não havia sido incluído no ano ou nos anos precedentes. Ao mesmo tempo, tornou possível obter, ao final do estudo, uma avaliação longitudinal de um grupo de crianças.

Figura 6- Acampamento dos índios no Posto Leonardo.

Figura 7- Acampamento dos índios no Posto Leonardo à noite, aquecidos pelas fogueiras.

Estudo Transversal
1974 – 79 crianças, 43 do sexo masculino; 1975 – 45 crianças, 27 do sexo masculino; 1976 – 51 crianças, 27 do sexo masculino.

Total: 175 crianças.

Estudo Longitudinal
3 anos consecutivos: 53 crianças, 26 do sexo masculino; 2 anos consecutivos: 46 crianças, 26 do sexo masculino; 2 anos alternados: 9 crianças, 7 do sexo masculino.

Total: 108 crianças.

Métodos

1- Identificação da criança

Foi feita levando-se em conta a aldeia em que residia, a oca em que morava, os nomes do pai e da mãe e também foi criado um número de registro gral, sua origem tribal, o nome que recebia da mãe e do pai. Para maior facilidade de identificação posterior a ficha incluía uma fotografia da criança, a qual era obtida no momento em que ela era incluída no estudo.

2- Exame Físico

Toda criança foi submetida a detalhado exame físico visando detectar anormalidades clínicas, e em especial, algum sinal ou sinais que denotassem carências nutricionais específicas ou não (Figura 8).

Figura 8- Exame físico de uma criança indígena no trabalho de campo.

Considerando-se que malária é endêmica na região, especial atenção foi dada para os achados de esplenomegalia, por meio da determinação do índice esplênico.

3- Medidas Antropométricas

Foram obtidos os valores do Peso, Estatura, Perímetro Cefálico, Perímetro Torácico e Prega Cutânea (Figuras 9 -10-11-12 & 13).
Figura 9- Determinação do peso.

Figura 10- Determinação da estatura.

Figura 11- Determinação do perímetro cefálico.

Figura 12- Determinação do perímetro torácico.

Figura 13- Determinação da prega cutânea.

4- Sangue

Foram obtidas amostras de sangue para a realização do Hematócrito.

5- Fezes

Amostras de fezes foram coletadas para pesquisa de protozoários e helmintos.

Parque Indígena do Xingu (PIX)
O PIX foi criado em 1961, pelo governo federal, tendo por finalidade a preservação da população indígena ali localizada, bem como sua cultura, prestando-lhe assistência e defendendo-a de contatos prematuros e nocivos com as frentes de ocupação da nossa sociedade. Naquela ocasião a direção do PIX foi entregue aos irmãos Villas Boas (Cláudio e Orlando), os quais haviam chegado à região em 1946 como membros da expedição Roncador-Xingu. Esta expedição tinha, entre outros, o objetivo estratégico de interiorização do Brasil para preservar nossa soberania na região Amazônica.

O PIX está localizado no extremo norte do Estado de Mato Grosso e abrange uma área retangular de aproximadamente 20.000 km2 (extensão territorial do tamanho da Bélgica), numa zona de transição entre o Planalto Central e a Amazônia, acompanhando o rio Xingu desde suas cabeceiras até a divisa com o Estado do Pará (Figura 14).

Figura 14- Mapa do Parque Indígena do Xingu.

Trata-se de uma região plana e a vegetação encontra-se nos limites da floresta equatorial do vale amazônico, que predomina à medida em que se aproxima do norte, e dos campos e cerrados que são encontrados ao sul, alternando-se com as florestas de galeria que acompanham o curso dos rios e as margens dos numerosos lagos (Figuras 15 & 16).

Figura 15- Vista aérea do PIX, destacando-se o rio Xingu e uma aldeia na sua proximidade.

Figura 16- Vista aérea da aldeia Coicuro próxima de um dos mais lindos lagos da região.

As dificuldades de acesso à região, decorrentes da existência de uma série de quedas d’água que se estendem da cachoeira de Von Martius para o norte, no curso médio do rio Xingu, e da existência do vasto e inóspito chapadão mato-grossense, ao sul, permitiram que esta área permanecesse indevassada até o final do século XIX.

Escavações realizadas na área por arqueólogos, na década de 1960, possibilitaram o encontro de vestígios que levam a crer que a ocupação do Alto Xingu remonta há séculos, entretanto, os primeiros relatos sobre os índios da região foram feitos por Steinen, que a visitou em duas expedições nos anos de 1884 e 87. Pela descrição por ele realizada, verifica-se que a área do Alto Xingu era habitada, naquela ocasião, pelas mesmas tribos que aí vivem nos dias atuais, a saber: Auiti, Uaurá, Calapalo, Camaiurá (Figura 17), Cuicuro, Iaualapiti, Meinaco, Matipu-Nafuqua e Trumai.

Figura 17- Vista aérea da aldeia Camaiurá e a lagoa do Ipavu.

A radicação secular na mesma área e a grande facilidade de mobilidade interna fez com que as relações intertribais ocupassem um plano de destaque na vida do índio. Este relacionamento tornou-se tão importante que, praticamente, o único traço de distinção entre as tribos é a língua. Na região estão presentes os representantes de três das quatro principais famílias lingüísticas indígenas do Brasil, a saber: Tupi, Aruaque e Caribe. Porém, apesar desta diferença de línguas as tribos aí localizadas possuem uma organização política, social e cultural idênticas, caracterizadas pelas crenças, ritos cerimoniais e festas, ritmo de vida e ciclo de atividades bastante semelhantes e integradas, constituindo o que o antropólogo Galvão, em 1953, denominou “cultura Xinguana” ou “área cultural do Alto Xingu”.

Assim sendo, o estado de considerável isolamento e a longa ocupação de uma mesma área geográfica, com relativa proximidade entre as aldeias, contribuíram para um grande entrelaçamento entre as tribos do Alto Xingu, sob um ponto de vista social e cultural, embora, na realidade, representem nações totalmente independentes.

No próximo encontro descreverei os resultados da pesquisa e discutirei alguns aspectos que me parecem relevantes a respeito desta civilização.

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