Tese de Mestrado
Apesar de dispor de um tempo de cerca de 18 meses antes da viagem para os Estados Unidos, os desafios que se apresentavam não eram poucos, posto que eu havia decidido que seria imperioso somente viajar após ter finalizado a formação de Pós-Graduação no sentido restrito, Mestrado e Doutorado. Acontece, porém, que embora a instituição da Pós-Graduação nos moldes atuais já houvesse sido implantada na EPM desde 1970, esse instituto mantinha-se restrito a apenas alguns programas, não estava ainda disponível o programa de Pediatria. Havia naquela época, dentro do Departamento de Pediatria, muitas dúvidas a respeito do êxito futuro deste novo tipo de formação acadêmica, ainda era preferível o sistema tradicional, ou seja, o Doutoramento e a posterior defesa da Livre-Docência. Entretanto, em conversas que eu mantinha com outros colegas da EPM que estavam cursando a Pós-Graduação, eles mostravam-se bastante entusiasmados com esta nova estrutura de formação acadêmica. Fui convencido que este seria o caminho correto a ser seguido e, desta forma, sai em busca de uma solução para o problema. Como eu mantinha um estreito contato com Dr. José Vicente Martins Campos (Dr. Campos, como era chamado, era muito amigo do Dr. Toccalino, de longa data, e a ele fui apresentado, em 1973, quando eu ainda vivia em Buenos Aires), em virtude dos trâmites da criação da Sociedade Latino-Americana de Gastroenterologia Pediátrica, a qual já vinha sendo discutida desde 1974, fui com ele conversar a respeito de realizar o Mestrado pelo Instituto Brasileiro de Pesquisas em Gastroenterologia (IBEPEGE), do qual ele era diretor, pois este instituto de pesquisa na especialidade já havia sido regularmente credenciado pelo MEC para oferecer cursos de Mestrado. A conversa resultou altamente satisfatória, minha matrícula no curso foi aceita e Dr. Campos tornar-se-ia meu orientador (Figura 1).
Apesar de dispor de um tempo de cerca de 18 meses antes da viagem para os Estados Unidos, os desafios que se apresentavam não eram poucos, posto que eu havia decidido que seria imperioso somente viajar após ter finalizado a formação de Pós-Graduação no sentido restrito, Mestrado e Doutorado. Acontece, porém, que embora a instituição da Pós-Graduação nos moldes atuais já houvesse sido implantada na EPM desde 1970, esse instituto mantinha-se restrito a apenas alguns programas, não estava ainda disponível o programa de Pediatria. Havia naquela época, dentro do Departamento de Pediatria, muitas dúvidas a respeito do êxito futuro deste novo tipo de formação acadêmica, ainda era preferível o sistema tradicional, ou seja, o Doutoramento e a posterior defesa da Livre-Docência. Entretanto, em conversas que eu mantinha com outros colegas da EPM que estavam cursando a Pós-Graduação, eles mostravam-se bastante entusiasmados com esta nova estrutura de formação acadêmica. Fui convencido que este seria o caminho correto a ser seguido e, desta forma, sai em busca de uma solução para o problema. Como eu mantinha um estreito contato com Dr. José Vicente Martins Campos (Dr. Campos, como era chamado, era muito amigo do Dr. Toccalino, de longa data, e a ele fui apresentado, em 1973, quando eu ainda vivia em Buenos Aires), em virtude dos trâmites da criação da Sociedade Latino-Americana de Gastroenterologia Pediátrica, a qual já vinha sendo discutida desde 1974, fui com ele conversar a respeito de realizar o Mestrado pelo Instituto Brasileiro de Pesquisas em Gastroenterologia (IBEPEGE), do qual ele era diretor, pois este instituto de pesquisa na especialidade já havia sido regularmente credenciado pelo MEC para oferecer cursos de Mestrado. A conversa resultou altamente satisfatória, minha matrícula no curso foi aceita e Dr. Campos tornar-se-ia meu orientador (Figura 1).
Figura 1- Foto do Dr. José Vicente de Martins Campos, meu orientador no curso de Mestrado no IBEPEGE.
Era agora necessário desenvolver um projeto de tese, devia ser um trabalho de pesquisa original e cumprir a realização dos créditos teóricos. Isto posto, tratei de desenvolver o projeto que resultou ser a “Avaliação Morfológica e Funcional do Intestino Delgado em Crianças com Desnutrição do Tipo Marasmático” e, por outro lado, passei a obter o número de créditos necessários para poder atender as exigências regulamentares do curso de Mestrado do IBEPEGE.
Retrocedendo um pouco no tempo e voltando à minha especialização em Buenos Aires, um dos aspectos extremamente valorizados pelo Dr. Toccalino eram os “Ateneos Científicos” (assim eram denominadas as reuniões científicas) (Figura 2) que ocorriam semanalmente, e, dentre eles, o Histológico tinha um destaque especial, porque aí os clínicos se reuniam com os patologistas para revisar as lâminas das biópsias de intestino delgado, intestino grosso e fígado que haviam sido realizadas na semana anterior.
Retrocedendo um pouco no tempo e voltando à minha especialização em Buenos Aires, um dos aspectos extremamente valorizados pelo Dr. Toccalino eram os “Ateneos Científicos” (assim eram denominadas as reuniões científicas) (Figura 2) que ocorriam semanalmente, e, dentre eles, o Histológico tinha um destaque especial, porque aí os clínicos se reuniam com os patologistas para revisar as lâminas das biópsias de intestino delgado, intestino grosso e fígado que haviam sido realizadas na semana anterior.
Figura 2- Foto de um "Ateneo de Bibliografia" coordenado pelo Dr. Toccalino com a participação dos Especializandos em Gastropediatria no Policlínico Alejandro Posadas em 1973.
Este tipo de atividade multidisciplinar oferecia ao clínico e ao patologista um intercâmbio de informações extremamente úteis para ambos os profissionais, trazia um grande enriquecimento para o melhor entendimento da correlação clínico-patológica. Por esta razão, como já me referi anteriormente, quando retornei à EPM, imediatamente entrei em contato com a Profa. Francy para analisarmos as lâminas das biópsias de intestino delgado, intestino grosso e fígado, dos procedimentos realizados na semana anterior, reproduzindo aqui o que eu havia aprendido em Buenos Aires. Como naqueles tempos houvesse uma grande prevalência de casos de crianças com diarréia e desnutrição a grande maioria das biópsias realizadas era de intestino delgado porque os pacientes também apresentavam síndrome de má absorção associada. Fazia-se necessário conhecer mais profundamente as causas desse terrível binômio diarréia-desnutrição que tantas mortes causava nas crianças de tenra idade, ainda dentro do primeiro ano de vida. Era de fundamental importância estudar as funções digestivo-absortivas dos nossos pacientes para podermos detectar com segurança quais eram as intolerâncias alimentares que provocavam a má absorção dos nutrientes e que conseqüentemente levavam ao agravo nutricional. Este era o único caminho científico e racional para que pudéssemos oferecer o tratamento dietético correto para que houvesse a reversão desta dramática situação. Desta tremenda angústia que nos assolava cotidianamente surgiu a idéia da elaboração da Tese de Mestrado; já havíamos acumulado um número significativo de dados clínicos, funcionais e histológicos, porém faltava uma análise científica e sistemática deste conjunto de informações dispersas. E assim foi feito, a Tese foi escrita e apresentada para a banca examinadora, composta por eminentes professores da especialidade, em abril de 1977, a qual foi aprovada com nota 10,0. Posteriormente, a Tese foi publicada sob a forma de trabalho científico nos Arquivos de Gastroenterologia (14: 241-248, 1977) sob o título “Morphologic and Functional Study of the Small Intestine in Marasmic Patients” subscrita pelos seguintes autores: U. Fagundes Neto, J. Wehba, F.R.S. Patrício & N. Machado, e que a seguir transcrevo em forma resumida.
Considerando que a maioria dos estudos da função digestivo-absortiva e da morfologia do intestino delgado em crianças desnutridas disponíveis na literatura médica referia-se ao tipo Kwashiorkor (desnutrição protéico-calórica grave com edema majoritariamente em pré-escolares pós-infecção, em especial pós-sarampo, muito prevalente em zonas rurais) (Figura 3)
Considerando que a maioria dos estudos da função digestivo-absortiva e da morfologia do intestino delgado em crianças desnutridas disponíveis na literatura médica referia-se ao tipo Kwashiorkor (desnutrição protéico-calórica grave com edema majoritariamente em pré-escolares pós-infecção, em especial pós-sarampo, muito prevalente em zonas rurais) (Figura 3)
Figura 3- Paciente portadora de desnutrição protéico-calórica tipo Kwashiorkor. Notar distensão abdominal, edema hipo-protéico nos membros inferiores e despigmentação da cor dos cabelos.
e os conhecimentos sobre desnutrição do tipo Marasmo (desnutrição protéico-calórica grave majoritariamente afetando lactentes, que não haviam recebido aleitamento natural, pós-infecção intestinal cujo processo diarréico tornou-se crônico, muito prevalente nas regiões urbanas) (Figuras 4 & 5) eram escassos, o propósito deste estudo foi avaliar a morfologia do intestino delgado e a função digestivo-absortiva de pacientes portadores de desnutrição protéico-calórica tipo Marasmo com o intuito de determinar qual o melhor tratamento dietético para poder proporcionar a recuperação nutricional destes pacientes.
Figura 4- Paciente portador de desnutrição protéico-calórica, tipo Marasmo.
Figura 5- Paciente portador de desnutrição protéico-calórica, tipo Marasmo. Observar o aspecto da facies simiesca em virtude do desaparecimento do tecido adiposo do rosto; pelo aspecto este tipo de condição clínica recebeu a denominação popular de "Mal de Semioto".
Pacientes e Métodos
Foram estudados 22 pacientes portadores de desnutrição protéico-calórica grave, tipo Marasmo, com idade média de 10,7 meses internados na enfermaria de Pediatria do Hospital São Paulo.
No momento da internação, imediatamente após ser realizada a correção dos distúrbios hidro-eletrolíticos, os pacientes passavam a ser realimentados com fórmula láctea para fornecer no mínimo 150 cal/kg/dia ad libitum ou por sonda naso-gástrica em caso de recusa ou indiferença para se alimentar.
Procedimentos Dietéticos
Na vigência de diarréia, amostras de fezes recém-eliminadas eram coletadas para determinação do pH e pesquisa de substâncias redutoras; caso o pH fecal fosse inferior a 6 e/ou houvesse presença de substâncias redutoras nas fezes, a fórmula láctea era substituída por fórmula de soja (isenta de lactose e de proteína láctea) e os mesmos procedimentos anteriormente citados eram seguidos; caso houvesse caracterização de intolerância à fórmula de soja, esta era substituída por uma fórmula contendo monossacarídeo (glicose); caso houvesse intolerância ao monossacarídeo este era eliminado da dieta e a oferta de glicose era realizada por via intra-venosa. Suplementação vitamínica era empregada rotineiramente em todos os pacientes.
Avaliação da Função Digestivo-Absortiva
1- Teste de absorção da D-xilose
2- Teste de absorção da Lactose
3- Teste de absorção da Glicose
Todos estes testes foram realizados pelos métodos convencionais utilizados na naquela época em amostras sanguíneas após uma sobrecarga pré-estabelecida para cada um dos açúcares.
Biópsia de Intestino Delgado
As biópsias foram realizadas por meio da cápsula de Crosby-Kugler e a interpretação morfológica seguiu os critérios de Schenk e Klipstein, por nós modificados.
Resultados
Evolução Clínica dos Pacientes
Todos os pacientes apresentavam queixa de diarréia crônica (diarréia superior a 14 dias de duração) no momento da internação, sendo que 20 (90,1%) deles já haviam sofrido pelo menos 1 internação anterior por diarréia e/ou broncopneumonia (entre 1 e 10 internações anteriores). O tempo médio da presente internação foi de 45 dias, variando de 21 a 114 dias (Figura 6).
FIgura 6- Paciente portador de desnutrição protéico-calórica com diarréia persistente em recuperação nutricional plena e tentativa de relactação.
Dentre os 22 pacientes 20 (90,9%) deles apresentaram evolução satisfatória e receberam alta hospitalar em boas condições de saúde em franco processo de recuperação nutricional; 2 (9,1%) pacientes vieram a falecer durante a internação, 1 deles por diarréia intratável e sepsis por Enterobacter após 72 dias de hospitalização, e o outro por broncopneumonia após 25 dias de internação.
Intolerância à Lactose foi detectada em 16 (73%) pacientes, intolerância à Sacarose (carboidrato da fórmula de soja) foi caracterizada em 5 (23%) pacientes e apenas 1 (2,2%) paciente apresentou intolerância à Glicose.
Teste de absorção da D-xilose
O valor médio do teste foi de 24,8 +/- 9,8 mg% significativamente menor do que aquele verificado em indivíduos normais que é de 42,4 +/- 9,6 mg%. Estes dados refletem um estado de insuficiência absortiva da mucosa entérica, muito provavelmente, em decorrência das extensas lesões da morfologia do intestino delgado que estes pacientes apresentam.
Biópsia do Intestino Delgado
A análise morfológica da mucosa do intestino delgado revelou alterações na imensa maioria dos casos, muito embora o grau de lesão tenha sido variável de moderada a intensa (Figuras 7 - 8 & 9). Atrofia vilositária parcial e inclusive sub-total foram descritas em todos os pacientes, com exceção de apenas um paciente cujas vilosidades intestinais mostravam-se inalteradas.
Figura 7- Fotografia em aumento médio de espécime de intestino delgado obtido por biópsia evidenciando atrofia vilositária moderada, chamando a atenção para a "População VIlositária Diminuida".
Figura 8- Fotografia em maior aumento de espécime de intestino delgado obtido por biópsia; notar o espaço nitidamente aumentado entre 2 vilosidades adjacentes.
Figura 9- Fotografia em aumento maior de espécime de intestino delgado obtido por biópsia demonstrando atrofia vilositária sub-total e intenso infiltrado linfo-plasmocitário na lâmina própria.
Um aspecto altamente chamativo por nós observado em 12 (54,5%) pacientes foi a nítida redução do número de vilosidades intestinais em comparação com as normalmente verificadas e que nos levou a propor a denominação de “População Vilositária Diminuída”.
Conclusão
Este estudo pode demonstrar as inúmeras alterações funcionais e morfológicas da mucosa intestinal que são diretamente responsáveis pelas intolerâncias alimentares, as quais, por sua vez, desencadeiam a perpetuação do processo diarréico acarretando importante agravo nutricional e elevado risco de morte neste grupo de pacientes.
Naquela época, há mais de 30 anos já identificávamos os graves problemas gerados pelo binômio diarréia-desnutrição em crianças de tenra idade e chamávamos a atenção para a necessidade de se encontrar um tratamento dietético apropriado para a recuperação nutricional destes pacientes. Muitos anos se passaram e atualmente 3 fatos altamente positivos vieram a ocorrer, a saber: em primeiro lugar as prevalências deste tipo de desnutrição protéico-calórica diminuíram sensivelmente, em segundo lugar, encontram-se à inteira disposição fórmulas alimentares extremamente sofisticadas, as quais praticamente atendem à totalidade das nossas necessidades no cuidado de pacientes com as mais graves intolerâncias alimentares, e, por fim, mas não menos importante, diz respeito ao reconhecimento definitivo que a promoção da prática do aleitamento natural exclusivo por tempo prolongado é a única profilaxia segura e efetiva para evitar a ocorrência do binômio diarréia-desnutrição (Figuras 10 & 11).
Figura 11- Representação esquemática da profilaxia da desnutrição quando o aleitamento natural está presente de forma exclusiva e por tempo prolongado.
No próximo encontro narrarei as aventuras do projeto do Doutorado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário